São Paulo, terça-feira, 17 de outubro de 2000

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ARTIGO
Literatura polonesa é uma das glórias secretas da cultura européia

NELSON ASCHER
DA EQUIPE DE ARTICULISTAS

A literatura polonesa, homenageada em Frankfurt, é uma das glórias secretas da cultura européia. A barreira que a oculta do público internacional é, naturalmente, a língua de que se vale. O polonês, como, por exemplo, o russo e o tcheco, é uma língua eslava. Nesta família de idiomas, porém, o único que dispõe de uma literatura mais ou menos conhecida universalmente é o russo. Ainda assim, os poloneses já haviam começado a produzir um conjunto rico e variado de obras quase três séculos antes de o fundador das letras russas, Aleksander Púchkin, nascer.
A divulgação dessas obras foi seriamente prejudicada pelo eclipse, ou melhor, pelos eclipses políticos do país. Importante reino durante a Idade Média e a Renascença, a Polônia foi eliminada do mapa por mais de cem anos quando, no final do século 18, seus vizinhos russos, prussianos e austríacos repartiram e absorveram seu território.
O Estado polonês ressurgiu após a Primeira Guerra Mundial, mas sua existência difícil e conturbada foi abolida, a partir de 1939, primeiro por uma ocupação alemã e russa; apenas alemã, em seguida; e, finalmente, só russa, esta última durando de fato até 1989. No entretempo, o país se tornou palco de alguns dos combates mais pesados de duas guerras mundiais, de uma guerra com os soviéticos, pouco depois da Revolução Russa, dos desmandos sanguinários tanto de nazistas quanto de comunistas, e da matança dos judeus, pois foi lá que os alemães construíram seus campos de extermínio.
Como se poderia esperar, essa história cheia de reveses tem despertado o interesse contínuo dos escritores poloneses a partir, pelo menos, do período romântico, quando o poeta nacional Adam Mickiewicz (1798-1855), autor do poema narrativo "Pan Tadeusz", não apenas deu voz em seus poemas ao desejo de independência do país, como participou ativamente de movimentos, conspirações políticas e revoltas contra o ocupante. O século 19 é, na Polônia, sobretudo uma época de grande poesia; entre os poetas merecem menção Juliusz Slowacki (1809-49), considerado o rival de Mickiewicz; e Cyprian Kamil Norwid (1821-83), um inovador que, ignorado em vida, tornou-se, após sua "redescoberta", um pioneiro da moderninade.
A poesia não deixou, desde então, de desempenhar um papel central, e os dois poloneses contemplados com o prêmio Nobel que estarão em Frankfurt, Czeslaw Milosz e Wislawa Szymborska são principalmente poetas, como também dois outros autores famosos, Tadeusz Rozewicz e Zbigniew Herbert, morto há pouco tempo. A obra desses quatro representou, em seu conjunto, um dos momentos mais influentes da poesia mundial na segunda metade do século 20, um momento continuado por, entre outros, Ryszard Krinicki, Adam Zagajewski e Stanislaw Baranczak.
As décadas entre duas guerras mundiais testemunharam o crescimento e a maioridade da ficção polonesa e a atuação de alguns de seus maiores prosadores: S.I. Witkiewicz (1885-1939), que se suicidou quando a Polônia foi invadida; Witold Gombrowicz (1904-69), que estava na Argentina quando estourou a guerra e acabou fixando residência por lá; e Bruno Schulz (1893-1942), contista judeu assassinado por um membro da Gestapo. Alguns dos expoentes da prosa do pós-guerra são Jerzy Andrzejewski, autor de "Cinzas e Diamantes", obra filmada por Andrzej Wajda; o romancista Tadeusz Konwicki; e os escritor de ficção científica Stanislaw Lem, cujo "Solaris" foi levado à tela por A. Tarkovski. O teatro polonês tem conquistado renome graças ao trabalho de alguns dos escritores mencionados (Witkiewicz, Rozewicz) e de diretores como Tadeusz Kantor e dramaturgos como Slawomir Mrozek.


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