São Paulo, terça-feira, 17 de outubro de 2006

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O primeiro blockbuster

Mostra de SP apresenta o clássico italiano "Cabiria", restaurado pelo brasileiro João Sócrates de Oliveira; lançado em 1914, o filme de Giovanni Pastrone antecipou a era das superproduções

Divulgação
A atriz Italia Amirante Manzini (centro) é a rainha Sofonisba em "Cabiria"; longa teve filmagens nos Alpes, no inverno, com centenas de figurantes e animais


SILVANA ARANTES
DA REPORTAGEM LOCAL

O clássico "Cabiria" (1914), de Giovanni Pastrone (1882-1959), que a 30º Mostra de São Paulo exibe neste mês, coleciona uma porção de distintivos "pela primeira vez" no cinema.
"Nunca antes um filme havia atingido a marca de três horas de duração; nenhum cineasta antes havia compreendido inteiramente a importância de fazer uma campanha de marketing [para lançar o filme], nenhum diretor antes havia tido a ousadia de transportar elefantes e centenas de figurantes para os Alpes, em pleno inverno, para filmar uma cena que dura alguns minutos na tela."
As observações estão num texto de Alberto Barbera, diretor do Museu Nacional de Cinema de Turim, que encomendou ao restaurador brasileiro radicado em Londres João Sócrates de Oliveira a recuperação da obra de Pastrone, após a descoberta pelo museu de novos materiais relativos ao filme.
Para Oliveira, 56, não poderia haver melhor convite. "Em 1977, vi um livro sobre uma das restaurações de "Cabiria" e pensei: como eu gostaria de ter restaurado esse filme!", conta.
Durante dois anos, Oliveira ficou debruçado sobre a restauração de "Cabiria", portanto, sobre a origem de um cinema-espetáculo, hoje indissociável da produção de Hollywood.
"Pastrone era um cara genial. Ele quis fazer um filme refinado, para afastar a marca popular que o cinema tinha na época, e revesti-lo de um caráter mais elitizado. Mas o resultado é que "Cabiria" tornou-se popularíssimo", aponta ele.
A produção de "Cabiria" custou 20 vezes mais do que o valor médio dos filmes italianos da época, anota Barbera. A história narrada também é grandiosa e ocorre em 300 a.C, durante as Guerras Púnicas.
Em meio a uma erupção do vulcão Etna, a garota Cabiria é seqüestrada e vendida em Cartago. O nobre Fulvio Axilla e seu servo Maciste (personagem que se tornou notável no cinema italiano e aparece aqui pela primeira vez) partem numa saga para recuperá-la. Os dois encontram Cabiria quando ela está prestes a ser sacrificada no imponente templo dedicado ao deus Moloch.
As sessões de "Cabiria" na Mostra terão acompanhamento ao vivo do piano de Stefano Maccagno, executando a partitura original de Ildebrando Pizzetti. Pizzetti e o escritor Gabriele D'Annunzio, que assina os intertítulos do filme, eram respeitados intelectuais da época. Associar seus nomes a "Cabiria" fazia parte da estratégia de Pastrone, que também era músico (foi o segundo violino da Orquestra de Turim), de dar um ar refinado à produção, como ressalta Oliveira.
Além do piano de Maccagno, ao vivo, as exibições de "Cabiria" terão depoimento em vídeo do cineasta norte-americano de origem italiana Martin Scorsese, apresentando a obra.
Scorsese aponta o pioneirismo de Pastrone e menciona que a realização de "Cabiria" se deu "dois anos antes de "O Nascimento de uma Nação", de Griffith". Pastrone é tido como grande influência não só de D. W. Griffith (1875-1948) mas também de Cecil B. De Mille (1881-1959), outro pioneiro do cinema épico americano.
"Alguns cabirianistas [especialistas em "Cabiria"] arriscam dizer que Pastrone inventou a montagem paralela", afirma Oliveira. Mas o restaurador discorda. Para ele, Pastrone lançou mão do recurso de "filmar duas seqüências e cortá-las em pedaços, intercalando-as com outras seqüências, para obter o ritmo que você quer" somente na segunda versão que fez de "Cabiria", em 1931, após o advento do cinema sonoro. Oliveira restaurou ambas e fez uma descoberta que redefine os estudos sobre "Cabiria".


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