São Paulo, terça-feira, 17 de outubro de 2006

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FERNANDO BONASSI

Pequenos grandes homens


Nesses monarcas potenciais, poder e solidão reforçam-se mutuamente

SÃO HOMENS solitários e cheios de poder...
Esses homens cujo supremo querer concentra, reflete ou explora os demais menores prazeres da maioria dos outros iguais.
De longe podem ser considerados normais, mas são homens ligados demais à terra de onde brotaram, nasceram e foram arrancados para vencer.
Lavados e ungidos para aparecer, são guindados ao estrelato por urnas de votação e comerciais de televisão, levados à administração direta dos interesses mais contraditórios.
Em seus múltiplos lados opostos são meros empregados dos patrões que lhes pagaram as eleições ou representantes dos pesadelos e anseios das multidões, comportando-se como pregadores empedernidos, atletas republicanos ou místicos cheios de planos, fornidos por compêndios de auto-ajuda e seduzindo-se com a ira dos deuses que juraram abjurar em nome dos cidadãos que almejam governar, parasitar ou destruir.
São, ainda assim, homens educados nas artes do poder solidário pelas vias esquisitas dessa democracia de baixos salários que ajudamos a constituir, por constituições que podem não ser desastrosas, mas são sim monstruosas aberrações jurídicas e muito judiciosamente preparadas pelos que legislam no conluio de permanecer no poder.
Acontece que nesses monarcas potenciais, poder e solidão reforçam-se mutuamente em fricções de cunhos genitais, como tensões pré-menstruais, que explodem nos contatos populares.
São líderes seculares e passionais como heróis épicos e marginais patéticos como todos os boçais que se afeiçoam à autoridade delegada.
Estão então, por força dessa devoção, ou servidão, presos às letras das leis que viabilizaram suas candidaturas e legislaturas, o que não significa que não tenham lá os seus sonhos senhoriais, em que reinam como generais de ditaduras, essas épocas que todos odiamos e ao mesmo destempero sentimos falta, como se um estuprador romano afagasse e afogasse nosso desencanto de escravos.
Mas aqui não se trata de seres banais!
Tratamos é desses homens de inspirações geniais, venenosas ou simplesmente venais, que também são seus defeitos morais congênitos e cuja mistura, boa ou má, dependerá da trajetória que pretendem traçar, desfazer ou recontar.
Arrivistas de palavras arrebatadas, suas favas descontadas precisam ser tomadas com certo duplo sentido, já que são seres errantes entre a poesia, a prosa vazia e as piadas desgraçadas dessas coisas peripatéticas da política.
São espartanos viciados na velocidade da juventude, sociólogos troianos de caducos, filósofos doutores da dupla personalidade, funcionários carolas da mediocridade ou apenas operários da desesperança, entre lampejos grandiosos, destemperança e perversões horrorosas.
São corajosos como terroristas suicidas, moralistas como marxistas aposentados ou mesmo indefesos como Marats doentes em burguesas banheiras quentes, tratados por enfermeiras de convênios escusos, assessores publicitários obscuros ou prostitutas assassinas.
Inocentes como meninas, são igualmente psicopatas que não sentem culpa pelo tormento que provocam às suas vítimas, assimilando, quando muito, a íntima e infinita confusão de sua ação em discursos sem sentido.
São homens que se vêem por dentro de tudo do que querem se excluir, com esse medo psiquiátrico e vaidoso de sumir ou serem postos de fora do jogo e de algo em que se consideram o centro.
São poderosos visionários como lobos legionários que pastam no deserto, ou galinheiro, da esperteza; pastores de ovelhas da avareza ou maníacos depressivos em seus sonhos lesivos à natureza da humanidade que cativam.
De forma que também são esses homens pacatos aqueles cuja inclemência devemos temer, pois a pequenez de sua coragem aliada à grandeza dos seus desejos pessoais podem se transformar em vertigem contagiosa quando encantam e traumatizam as forças psicossociais!
São, portanto, esses homens eventuais e extraordinários de verdade que conduzem no peito a violenta racionalidade da revolução, a reação agourenta da fé ou se põem a dar tiros nos pés, cujo efeito é um rastro de sangue deixado para localizar seus fatos e feitos históricos.


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