São Paulo, Quarta-feira, 17 de Novembro de 1999
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ANÁLISE

Sobre a poesia Barros

da Redação

O poeta mato-grossense Manoel de Barros tem uma dúzia de livros publicados, nove deles reunidos em "Gramática Expositiva do Chão - Poesia Quase Toda" (Civilização Brasileira). Alguns estão sendo reeditados, inclusive em formatos para crianças, como "Poeminhas Pescados de uma Fala de João" (Record).
O novo livro, "Exercícios de Ser Criança", funciona como uma lição introdutória à obra do autor. Sua poética tem um compasso regular, no sentido de "avançar para o começo", para "pegar no estame do som", para ficar com as palavras de seus versos.
A poesia de Manoel de Barros inscreve-se na melhor tradição do modernismo brasileiro.
Um exemplo: o sentido de construção de seus poemas aproxima-se do Carlos Drummond de Andrade do poema "Áporo" e das metamorfoses de Guimarães Rosa, caracterizadas por Haroldo de Campos como "perturbação do instrumento lingüístico" quando esse poeta-crítico analisa a metamorfose do homem em onça no conto "Meu Tio, o Iauaretê".
Uma chave para a compreensão da poesia de Barros é perceber para que serve a aparente desarticulação das expressões. Elas transfiguram o sentido comunicativo e corriqueiro da língua.
Barros é um inventor, como Rosa e o próprio Haroldo de Campos, com suas galáxias em transformação, em partículas subatômicas, pedras e cristais.
O amálgama entre ser e palavra nos poemas de Manoel de Barros se dá devido a uma contestação do discurso oficial e/ ou preestabelecido. A partir dela o poeta cria uma nova lógica para a relação entre as imagens e os objetos que elas representam.
Na introdução à "Gramática Expositiva do Chão", a professora Berta Waldman destaca a retomada do olhar da infância e "a busca da palavra que se ajuste ao máximo da matéria".
Na poesia dele, o encontro com a materialidade da palavra ou a auto-referência lingüística são análogos a uma forma de experiência concreta, como a que ocorre no processo de cognição infantil -uma espécie de errar a vida ou "aprender a errar a língua", tautológica e sincrética.
Com suas invenções, por vezes paradoxais para o discurso fático, os versos de Manoel de Barros acusam a consciência da separação entre arte e mundo.
O paradoxal é que seus poemas brincam com a idéia de mimetismo animal. Os animais representados adquirem a cor do lugar onde estão; o lagarto funde-se com a pedra, a borboleta confunde-se com a folha.
Com a Menina Avoada e seus amigos do novo livro acontece a mesma coisa. Duas rodas de lata de goiabada transformam um caixote em um carro puxado por dois bois. "Eu comandava os bois: - Puxa, Maravilha! - Avança Redomão!"
A imaginação literária de Manoel de Barros, para trazer à cena Gaston Bachelard, permanece revelando o fenômeno da metamorfose de um ser para outro, e acontece no "mistério da matéria". "Se examinamos uma imagem literária com uma consciência de linguagem, recebemos dela um dinamismo psíquico novo. Portanto, acreditamos ter a possibilidade (...) de descobrir uma ação eminente da imaginação", diz Bachelard. E o que é melhor para a criança do que isso?
(MRC)

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