São Paulo, sexta-feira, 17 de novembro de 2000

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"SWEET MOVIE"
Diretor iugoslavo filma Eros contra repressão dos instintos

TIAGO MATA MACHADO
ESPECIAL PARA A FOLHA

Eros contra a civilização. "Sweet Movie" (1974), do iugoslavo Dusan Makavejev, é, como indica o seu título, um filme (doce) contra todos os regimes, mas nem tanto no sentido político. A repressão de que o filme trata não é apenas política, mas cultural: a repressão dos instintos.
Nessa perspectiva, Makavejev mira nos regimes políticos da Guerra Fria para acertar na própria civilização. Ao menos se a entendermos aqui em seu sentido freudiano, como coação cultural dos instintos naturais do homem. O objetivo desse filme, dizia o diretor, é fazer renascer em todo o espectador "o animal pleno de alegria e prazer". "Sweet Movie" é uma derivação do filme anterior de Makavejev, sua obra-prima, "Wilhelm Reich - Os Mistérios do Orgasmo".
A revolução que Makavejev, ex-estudante de psicologia, ambiciona é reichiana, uma revolução sexual que, aqui voltada contra o belicismo das ideologias, poderia ser sintetizada no velho lema: "Faça amor, não faça guerra".
Para tal, o diretor iugoslavo atira antes tanto para a esquerda quanto para a direita, traçando, ainda em plena Guerra Fria, uma alegoria sempre um tanto ligeira de ambos os regimes. A ex-União Soviética já era então vislumbrada como uma nau à deriva. Com a mãe Rússia, uma viúva negra que devora marinheiros e come criancinhas, na direção e a cabeça de Marx (chorando) na proa, esse navio alegórico já se dirigia, apinhado de cadáveres, ao fim.
Já os americanos são representados pela velha caricatura do milionário industrial ignorante e grosseirão que conta com a hipocrisia de sua sociedade para legitimar suas cafajestagens. Num concurso de TV promovido pela Liga do Cinto de Castidade (associação que desenvolveu um "método sensacional" para extinguir os "impulsos animais" das pessoas), o milionário do "pênis de ouro" encontra a noiva ideal na figura de uma doce virgem canadense.
Makavejev logo deixa suas pretensões satíricas de lado para se concentrar na iniciação libertina da jovem canadense. O périplo da personagem, de virgem reprimida a ninfômana resolvida, resume a proposição do filme. Depois de deflorada e descartada pelo americano, ela lega seu corpo ao sexo antes de ir parar numa comunidade cujos integrantes parecem decididos a voltarem à fase oral da infância.
Contra a higiene dos puritanos, Makavejev afirma aqui a mais pura escatologia. "Sweet Movie" pode ser, afinal, um filme um tanto grosseiro, feio e datado, mas é, de certo, visceral e de uma ousadia que já não se vê nestes tempos de repressão politicamente correta.


Sweet Movie
Sweet Movie
    Direção: Dusan Makavejev Produção: França/Canadá/ Alemanha, 1974 Com: Carole Laure, Pierre Clementi Quando: a partir de hoje na Sala UOL de Cinema e no Vitrine




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