São Paulo, sábado, 17 de novembro de 2007

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Livros

Diários detalham viagem da família real

Registros de bordo são recuperados em arquivos britânicos por Kenneth Light e mostram jornada da corte portuguesa em 1807

Pesquisador publica estudo detalhado sobre a viagem de d. João 6º, em edição comemorativa dos 200 anos da chegada ao Brasil


MARCOS STRECKER
ENVIADO ESPECIAL A PETRÓPOLIS

Até recentemente, pouco se conhecia dos detalhes da viagem da família real ao Brasil, uma aventura que começou em novembro de 1807 e acabou em março de 1808. O relato mais minucioso do episódio tinha partido de Thomas O'Neil, oficial britânico que participou da parte inicial da aventura e publicou em 1810 um livro baseado em testemunhas (o relato de O'Neil era inédito e acaba de ser editado pela José Olympio).
Agora, a história ganhou mais detalhes a partir de fontes primárias. Quem começou a dar contornos mais nítidos ao traslado foi Kenneth Light, 69, executivo de formação e pesquisador por vocação. Ex-diretor da Souza Cruz, nascido no Brasil e educado na Inglaterra, Light é o mecenas dos sonhos de qualquer museu brasileiro. Dedicou sua aposentadoria a auxiliar o Museu Imperial de Petrópolis e a pesquisar a aventura marítima da família real.
Light começou a pesquisa no início dos anos 90. Primeiro, investigou em arquivos brasileiros e europeus os diários de bordo dos navios portugueses. A tentativa foi frustrada. "Demorei um ano e meio para descobrir o óbvio. Esses registros nunca existiram", diz.

Livros de quarto
Depois, passou a investigar "livros de quarto" (jargão para os diários de bordo) de navios ingleses do período. Encontrou no começo dos anos 90, em arquivos ingleses, esses registros praticamente intocados ("alguns ainda estavam com sal"). Daí, traduziu os registros da força naval britânica, com linguagem técnica e em inglês do século 19. Produziu um livro detalhado com todos os diários dos 16 navios ingleses que registraram o traslado.
Esse trabalho transformou o pesquisador na maior autoridade da viagem marítima da família real. Como aprendeu todos os termos técnicos usados pela Marinha Real na época, passou a ser requisitado por pesquisadores portugueses interessados na ligação histórica entre as forças navais dos dois países.
Essa história vai ser contada em detalhes no livro "Transferência da Capital e Corte Portuguesa para o Brasil - 1807-1821", que será lançado em Portugal neste mês, pela editora Tribuna da História. A edição ilustrada traz a iconografia dos navios, mapas da viagem e os tratados que precipitaram a partida da família antes da chegada das tropas napoleônicas.
Também traz textos de pesquisadores portugueses (Mendo Castro Henriques, Manuel Amaral, Pedro de Avillez e António José Telo) e brasileiros (Lilia Schwarcz, Luiz Moniz Bandeira, Lúcia Cruz Garcia) falando sobre a mudança da corte -cujo significado é muito diferente nos dois países. Uma edição brasileira do livro, simplificada e com a maioria dos textos, será lançada em março de 2008 pela editora Zahar.
O estudo de Light dá um tempero romanesco e aventureiro para um momento histórico cujos detalhes são pouco conhecidos. Sua contribuição é a visão do que aconteceu no mar. Demonstra que os portugueses mantinham sua expertise naval, mostraram domínio da viagem e, logo no começo da jornada, descartaram o risco da retaliação franco-espanhola.
Apenas quatro navios ingleses, e de porte modesto para a maior frota naval do século 19, acompanharam os portugueses. E só um vaso inglês acompanhou d. João até a Bahia.
O estudo prova que a decisão de passar pela Bahia não teve nada de imprevisto. Não há nenhuma justificativa técnica para a parada, como provam os diários. No início da jornada, os navios chegaram a apontar para o Canadá, para evitar ventos desfavoráveis. E os registros -precisos, como exigia o rigor naval- apontam 56 navios na saída de Lisboa, em 29 de novembro de 1807.
"Nosso conhecimento dos navios que empreenderam esta viagem era quase nulo. Antes, a versão era a das pessoas que estavam em terra. Agora, é das pessoas que estavam no mar", diz Light. Ele publicou 40 exemplares dos diários transcritos, que doou para a Biblioteca Nacional, no Rio, para a Biblioteca do Congresso, em Washington, e para a Biblioteca Britânica, além de museus europeus e brasileiros.
Recentemente, descobriu, indignado, que um dos exemplares havia sido colocado à venda na livraria virtual amazon.com.

Pintura da chegada
Não satisfeito com o registro escrito, Light mandou pintar um quadro para marcar o momento exato da chegada da família real ao Rio, às 15h de 7 de março de 1808.
Para ter certeza do registro, Light alugou um barco e percorreu a baía de Guanabara com um aparelho de navegação GPS. A posição exata dos navios (Marlborough, Príncipe Real, Afonso de Albuquerque, Medusa e Bedford), as pequenas embarcações que chegavam para o beija-mão, a posição das velas de acordo com a direção do vento, tudo foi feito seguindo a pesquisa. A pintura foi feita em 1999 na Inglaterra por Geoffrey William Hunt (da Royal Society of Marine Artists), por um valor que Light não revela.


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