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Livros
Diários detalham viagem da família real
Registros de bordo são recuperados em arquivos britânicos por Kenneth Light e mostram jornada da corte portuguesa em 1807
Pesquisador publica estudo detalhado sobre a viagem de d. João 6º, em edição comemorativa dos 200 anos da chegada ao Brasil
MARCOS STRECKER
ENVIADO ESPECIAL A PETRÓPOLIS
Até recentemente, pouco se
conhecia dos detalhes da viagem da família real ao Brasil,
uma aventura que começou em
novembro de 1807 e acabou em
março de 1808. O relato mais
minucioso do episódio tinha
partido de Thomas O'Neil, oficial britânico que participou da
parte inicial da aventura e publicou em 1810 um livro baseado em testemunhas (o relato de
O'Neil era inédito e acaba de
ser editado pela José Olympio).
Agora, a história ganhou
mais detalhes a partir de fontes
primárias. Quem começou a
dar contornos mais nítidos ao
traslado foi Kenneth Light, 69,
executivo de formação e pesquisador por vocação. Ex-diretor da Souza Cruz, nascido no
Brasil e educado na Inglaterra,
Light é o mecenas dos sonhos
de qualquer museu brasileiro.
Dedicou sua aposentadoria a
auxiliar o Museu Imperial de
Petrópolis e a pesquisar a aventura marítima da família real.
Light começou a pesquisa no
início dos anos 90. Primeiro,
investigou em arquivos brasileiros e europeus os diários de
bordo dos navios portugueses.
A tentativa foi frustrada. "Demorei um ano e meio para descobrir o óbvio. Esses registros
nunca existiram", diz.
Livros de quarto
Depois, passou a investigar
"livros de quarto" (jargão para
os diários de bordo) de navios
ingleses do período. Encontrou
no começo dos anos 90, em arquivos ingleses, esses registros
praticamente intocados ("alguns ainda estavam com sal").
Daí, traduziu os registros da
força naval britânica, com linguagem técnica e em inglês do
século 19. Produziu um livro
detalhado com todos os diários
dos 16 navios ingleses que registraram o traslado.
Esse trabalho transformou o
pesquisador na maior autoridade da viagem marítima da família real. Como aprendeu todos
os termos técnicos usados pela
Marinha Real na época, passou
a ser requisitado por pesquisadores portugueses interessados na ligação histórica entre as
forças navais dos dois países.
Essa história vai ser contada
em detalhes no livro "Transferência da Capital e Corte Portuguesa para o Brasil - 1807-1821", que será lançado em Portugal neste mês, pela editora
Tribuna da História. A edição
ilustrada traz a iconografia dos
navios, mapas da viagem e os
tratados que precipitaram a
partida da família antes da chegada das tropas napoleônicas.
Também traz textos de pesquisadores portugueses (Mendo Castro Henriques, Manuel
Amaral, Pedro de Avillez e António José Telo) e brasileiros
(Lilia Schwarcz, Luiz Moniz
Bandeira, Lúcia Cruz Garcia)
falando sobre a mudança da
corte -cujo significado é muito
diferente nos dois países. Uma
edição brasileira do livro, simplificada e com a maioria dos
textos, será lançada em março
de 2008 pela editora Zahar.
O estudo de Light dá um tempero romanesco e aventureiro
para um momento histórico
cujos detalhes são pouco conhecidos. Sua contribuição é a
visão do que aconteceu no mar.
Demonstra que os portugueses
mantinham sua expertise naval, mostraram domínio da viagem e, logo no começo da jornada, descartaram o risco da
retaliação franco-espanhola.
Apenas quatro navios ingleses, e de porte modesto para a
maior frota naval do século 19,
acompanharam os portugueses. E só um vaso inglês acompanhou d. João até a Bahia.
O estudo prova que a decisão
de passar pela Bahia não teve
nada de imprevisto. Não há nenhuma justificativa técnica para a parada, como provam os
diários. No início da jornada, os
navios chegaram a apontar para o Canadá, para evitar ventos
desfavoráveis. E os registros
-precisos, como exigia o rigor
naval- apontam 56 navios na
saída de Lisboa, em 29 de novembro de 1807.
"Nosso conhecimento dos
navios que empreenderam esta
viagem era quase nulo. Antes, a
versão era a das pessoas que estavam em terra. Agora, é das
pessoas que estavam no mar",
diz Light. Ele publicou 40
exemplares dos diários transcritos, que doou para a Biblioteca Nacional, no Rio, para a Biblioteca do Congresso, em
Washington, e para a Biblioteca
Britânica, além de museus europeus e brasileiros.
Recentemente, descobriu,
indignado, que um dos exemplares havia sido colocado à
venda na livraria virtual
amazon.com.
Pintura da chegada
Não satisfeito com o registro
escrito, Light mandou pintar
um quadro para marcar o momento exato da chegada da família real ao Rio, às 15h de 7 de
março de 1808.
Para ter certeza do registro,
Light alugou um barco e percorreu a baía de Guanabara
com um aparelho de navegação
GPS. A posição exata dos navios
(Marlborough, Príncipe Real,
Afonso de Albuquerque, Medusa e Bedford), as pequenas embarcações que chegavam para o
beija-mão, a posição das velas
de acordo com a direção do
vento, tudo foi feito seguindo a
pesquisa. A pintura foi feita em
1999 na Inglaterra por Geoffrey
William Hunt (da Royal Society of Marine Artists), por um
valor que Light não revela.
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