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Gerald Thomas sai de cena
Cansado da repetição nas artes, diretor diz que está se afastando do teatro por tempo indeterminado
"Acho meus últimos trabalhos péssimos; não consegui me entregar, ter tesão", conta ele, que esboça roteiro cinematográfico
LUCAS NEVES
DA REPORTAGEM LOCAL
Cansado de jogar com "ismos" teatrais -experimentalismo, desconstrutivismo e
conceitualismo, para citar
três-, um artista contempla
sua encruzilhada e divide o
atordoamento com a plateia.
Em 1996, esse era o "nowhere
man", o homem sem lugar da
peça homônima de Gerald
Thomas. Em 2009, esse é o próprio diretor. Com a diferença
de preferir o silêncio cênico.
Thomas rompeu com o teatro por tempo indeterminado.
No texto "Minha "Independência ou Morte" - Tudo a Declarar
- "It's a Long Goodbye'", publicado em seu blog, ele lista as razões para o afastamento e crava: "Minha vida no palco acabou [...] tenho que sair por aí
pra redescobrir quem eu sou".
O "estalo" veio em julho passado, em Amsterdã, ao bater os
olhos num autorretrato de
Rembrandt (1606-1669). "Ele
tinha 55 anos quando fez aquele quadro. Eu estou com essa
idade hoje. Alguma coisa bateu
em mim, não sei o quê", diz à
Folha, por telefone.
"Comecei a pensar que muitos artistas, incluindo o próprio
[dramaturgo irlandês Samuel]
Beckett (1906-1989), não sabem a hora de sair de cena.
"Rockaby" e "Enough" são textos
tão menores, inúteis desse
maior autor do século 20. Eu
me pergunto se ele precisava
realmente tê-los escrito. Ao
mesmo tempo, o que ele poderia fazer? Tricô? Não, né?!"
"Encheção de linguiça"
Thomas avalia que "depois
que você chega num pico, vira
um repetidor de si mesmo". O
seu auge, ele crê, foi em 98, com
a ópera "Moisés e Aarão", de
Schoenberg, na Áustria:
"Tudo foi uma preparação
para aquilo. O resto é bobagem,
encheção de linguiça. Acho
meus últimos trabalhos péssimos. "Bateman" [solo que criou
para os 20 anos da Cia. dos Atores, em 2008] é horroroso. Só o
texto é bom. Não consegui me
entregar, ter tesão."
Outra experiência recente
que o desencantou foi "O Cão
que Insultava Mulheres - Kepler, the Dog" (2008), espetáculo surgido da "blognovela"
que o diretor escrevia em seu
endereço virtual -e transmitido ao vivo pela internet.
"Teatro não é tecnologia, é algo para que o público esteja na
presença do ator, a metros dele.
Se você tenta transformar em
tecnologia, fica pretensioso.
Essa integração de mídias é a
maior mentira que já houve."
Dono de um estilo que conjuga dramaturgia não linear e de
forte carga simbólica, estética
expressionista e uma mirada
perplexa em direção ao mundo,
Thomas se ressente da falta de
novidades nas artes:
"É constrangedor ver o que
as pessoas que mais admiro estão fazendo. Repetem-se horrorosamente. Não há nada novo, nem em moda, nem em design, nem em arquitetura. A
não ser que você dê um pulo em
Xangai. Aí vai ver um prédio
maluco. Mas logo vai se lembrar dos Jetsons e pensar: eles
fizeram um edifício tirado do
desenho! De certa forma, é tudo
pateticamente engraçado."
Recolhido, o diretor esboça o
roteiro do filme "Ghost Writer", que pretende rodar entre
Turquia, Inglaterra e EUA, e
rascunha a autobiografia ficcionalizada "Suicide Notes" (notas
suicidas). Os dois projetos podem virar um só.
A seu modo, Thomas atualiza
a última frase de "O Inominável", romance de Beckett: "I
can't go on, I'll go on" (não posso seguir, vou seguir).
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