São Paulo, segunda-feira, 17 de dezembro de 2001

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Deus sai de férias


15º longa-metragem de Cacá Diegues encena um parêntese no "trabalho" do "Criador"


Divulgação
O ator Antonio Fagundes (à esq.), que interpreta Deus, e o cineasta Cacá Diegues, no set do filme


SILVANA ARANTES
ENVIADA ESPECIAL AO RIO

O cineasta Cacá Diegues fez da blague do todo-poderoso enfadado com sua criação um pretexto para retornar ao filme-de-estrada, formato que o consagrou em 79, com "Bye Bye Brasil".
"Deus É Brasileiro", 15º longa de sua carreira, cujas filmagens terminaram ontem, no Rio, inspira-se num conto de João Ubaldo Ribeiro ("O Santo Que Acreditava em Deus") em que Ele desce à Terra, em busca de um parêntese de descanso, farto que está dos erros recorrentes da humanidade.
Para liberar-se temporariamente da tarefa de zelar pela humanidade, Deus pretende transferir a responsabilidade a Taoca, um santo homem que vive no Brasil. Daí que o "desembarque" divino na Terra dá-se em Tocantins. Mas Taoca vai sempre de uma parte a outra, obrigando Deus a também pôr o pé na estrada.
Por trás da ligeireza dos acontecimentos está, na definição de Diegues, "um elogio da imperfeição". "Esse é um filme humanista não-triunfalista. Todo humanismo que a gente conhece é triunfalista: o cristianismo fala no paraíso, o marxismo, na sociedade sem classes. Quero mostrar que aquilo que se considera os defeitos humanos podem ser as virtudes que fazem do homem uma criatura original e interessante", diz.
A proposta de reencontro com o estilo em que atingiu sua melhor forma é também uma escolha narrativa: "O filme-de-estrada é formidável porque permite falar sobre o que está no leito e o que está na margem. Essa estrutura segmentada me interessa muito".
Se no leito de "Bye Bye Brasil" havia os enfrentamentos de uma sociedade que se modernizava tecnologicamente em descompasso com outros avanços (econômico, social, cultural), "Deus É Brasileiro" pretende ser um filme "voltado para as questões mais íntimas do indivíduo".
"Ao transferir esse mito de excelência absoluta que é Deus para o mundo material e concreto em que vivemos hoje, tenho a pretensão de estar fazendo um filme absolutamente contemporâneo, sem nenhum dos preconceitos históricos sobre religião, ideologia ou qualquer dessas coisas que dominaram o século 20", afirma.
Será, portanto, um filme protagonizado por "Deus" sem viés religioso? "Não se está discutindo se Deus existe, o que Ele é ou não é", responde o diretor. "O Deus que me interessa nesse filme é o personagem literário da obra mais importante da literatura ocidental, a Bíblia. Não é um filme religioso, teológico. Independente se Deus existe ou não, não conheço mitologia mais densa, mais profunda e mais importante e que traduz o projeto de perfeição mais bonito criado pelo homem."
A conclusão do filme está prevista para junho de 2002. Este mês, Diegues foi sondado por Thierry Frémaux, diretor-artístico do Festival de Cannes, que ocorre em maio, sobre a possibilidade de inscrever seu filme.
"Não há a menor chance", diz o cineasta. O empecilho é o tempo exigido (e impossível de ser abreviado) para o processo de dupla transferência da película -primeiro para o sistema digital e novamente para película- que o cineasta decidiu adotar.
O recurso será tentado pela primeira vez, como forma de alcançar uma imagem de "textura selvagem", na definição do diretor. "Queria sair da luz naturalista da TV e da luz comercial dos comerciais para tentar encontrar uma imagem um pouco mais rude."
Se para Cannes o calendário é um impedimento, o mesmo não vale para o Festival de Veneza, realizado em setembro. O diretor admite a hipótese de estrear lá o seu filme, mas diz não estar "muito preocupado" com o assunto. "Primeiro quero terminá-lo. Isso é o mais importante."
O orçamento de "Deus É Brasileiro" é de R$ 7 milhões. Em seus 64 dias de filmagem, a equipe percorreu quase 18 mil quilômetros, entre os Estados de Tocantins, Alagoas, Pernambuco e Rio de Janeiro, percurso em que Deus (Antonio Fagundes) vai ao encalço de Taoca (Wagner Moura).
Diegues diz que se permitiu maleabilidade para incluir no filme aspectos imprevistos que as viagens se encarregaram de oferecer, além de incorporar colaborações dos atores e do restante da equipe.
O resultado ainda é uma incógnita para todos os envolvidos no projeto, incluindo o seu diretor. "Enquanto o filme não fica pronto, estou vivendo de suposições e intenções." Enfim, ao Deus dará.



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