São Paulo, sexta-feira, 17 de dezembro de 2004

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CRÍTICA

Moacyr Goes monta direção paterna e superprotetora

FREE-LANCE PARA A FOLHA

Os três principais filmes de férias da temporada são histórias de deslocamento. Três viagens e três propósitos em relação ao cinema. Em "Expresso Polar", viajar é preciso, se o trem colossal do título é transporte que nos conduz por uma América rústica e para a crença no espetáculo e na fábrica de ilusões -o Natal na terra fantástica de Noel, ou o próprio cinema; em "Os Incríveis", a viagem é para visitar o cinema e para resgatar o pai em uma floresta que exala "O Retorno de Jedi"; em "Xuxa e o Tesouro da Cidade Perdida", um balão ruma também para resgatar um pai, em "cidade perdida" na Amazônia.
E o filme é regido pela idéia da paternidade. Mas se trata do exercício da paternidade ou de sua ausência? Ambos. Evoquemos um mecanismo recorrente aqui. Personagens não são aquilo que são. Eles se fantasiam, descobrem descendências desconhecidas, são enfeitiçados por magias que os obrigam a agir de modo alterado.
Estamos, aliás, em época de Carnaval no filme: é latente a mutabilidade das identidades. Mais interessante: a identidade postiça para todos. Moacyr Goes, com a câmera, mas não apenas o diretor, carrega uma. Paterna, orientadora. É ele que dará forma a um ensinamento audiovisual sobre folclore, princípios morais, cultura viking e biodiversidade.
Se a ausência dos pais é a metáfora subterrânea da trajetória profissional de Xuxa, é a atriz o eixo e a porta-voz dessa operação de substituição paterna. Ela que, por falar em pais ou em mães, esculpiu com eficiência um signo de "ideal-mãe" via pulverização da imagem de uma gravidez, concluída em nobre transmissão no telejornal da casa, na "vida real".
Em outro lado da questão, o enredo do filme é repleto de pais desaparecidos, rejeitados ou cretinos: uma idéia sombria e estranhamente sintomática de cultura em que há uma autoridade da imagem (no caso, Globo) fazendo papel paterno.
E a imagem, é sem pai? Não, é filha de um sistema de plastificação cenográfica, montagem "superprotetora" e ecoturismo fabular caro à emissora. Um sistema que também prevê colagem de fragmentos sintéticos -postiços- de um imaginário de cinema: "Indiana Jones" enxertado aqui, "Os Goonies" ali, tudo como combustível estrutural, de consumo rápido, para o filme andar.
(CLAUDIO SZYNKIER)


Xuxa e o Tesouro da Cidade Perdida
Direção: Moacyr Goes
Produção: Brasil, 2004
Com: Xuxa Meneghel, Marcos Pasquim
Quando: a partir de hoje nos cines Butantã, Cine Penha, Paulista e circuito



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