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CRÍTICA
Moacyr Goes monta direção paterna e superprotetora
FREE-LANCE PARA A FOLHA
Os três principais filmes de férias da temporada são histórias de deslocamento. Três viagens e três propósitos em relação
ao cinema. Em "Expresso Polar",
viajar é preciso, se o trem colossal
do título é transporte que nos
conduz por uma América rústica
e para a crença no espetáculo e na
fábrica de ilusões -o Natal na
terra fantástica de Noel, ou o próprio cinema; em "Os Incríveis", a
viagem é para visitar o cinema e
para resgatar o pai em uma floresta que exala "O Retorno de Jedi";
em "Xuxa e o Tesouro da Cidade
Perdida", um balão ruma também para resgatar um pai, em "cidade perdida" na Amazônia.
E o filme é regido pela idéia da
paternidade. Mas se trata do exercício da paternidade ou de sua ausência? Ambos. Evoquemos um
mecanismo recorrente aqui. Personagens não são aquilo que são.
Eles se fantasiam, descobrem descendências desconhecidas, são
enfeitiçados por magias que os
obrigam a agir de modo alterado.
Estamos, aliás, em época de
Carnaval no filme: é latente a mutabilidade das identidades. Mais
interessante: a identidade postiça
para todos. Moacyr Goes, com a
câmera, mas não apenas o diretor,
carrega uma. Paterna, orientadora. É ele que dará forma a um ensinamento audiovisual sobre folclore, princípios morais, cultura
viking e biodiversidade.
Se a ausência dos pais é a metáfora subterrânea da trajetória
profissional de Xuxa, é a atriz o eixo e a porta-voz dessa operação
de substituição paterna. Ela que,
por falar em pais ou em mães, esculpiu com eficiência um signo de
"ideal-mãe" via pulverização da
imagem de uma gravidez, concluída em nobre transmissão no
telejornal da casa, na "vida real".
Em outro lado da questão, o
enredo do filme é repleto de pais
desaparecidos, rejeitados ou cretinos: uma idéia sombria e estranhamente sintomática de cultura
em que há uma autoridade da
imagem (no caso, Globo) fazendo
papel paterno.
E a imagem, é sem pai? Não, é filha de um sistema de plastificação
cenográfica, montagem "superprotetora" e ecoturismo fabular
caro à emissora. Um sistema que
também prevê colagem de fragmentos sintéticos -postiços-
de um imaginário de cinema: "Indiana Jones" enxertado aqui, "Os
Goonies" ali, tudo como combustível estrutural, de consumo rápido, para o filme andar.
(CLAUDIO SZYNKIER)
Xuxa e o Tesouro da Cidade Perdida
Direção: Moacyr Goes
Produção: Brasil, 2004
Com: Xuxa Meneghel, Marcos Pasquim
Quando: a partir de hoje nos cines
Butantã, Cine Penha, Paulista e circuito
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