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Nei Lopes compila autores negros
Com olhar crítico, "Dicionário Literário Afro-Brasileiro" reúne verbetes sobre livros e personagens
Lopes afirma que criações de
escritores importantes, como
Jorge Amado, contribuíram
para a consolidação de
um discurso racista
LUIZ FERNANDO VIANNA
DA SUCURSAL DO RIO
Em março do ano passado,
num debate, o escritor e compositor Nei Lopes ouviu um colega de mesa citar apenas autores brancos ao falar do tema "O
negro na literatura brasileira".
Foi a semente para que começasse a produzir o "Dicionário
Literário Afro-Brasileiro", agora lançado.
"Senti que era necessário tirar da invisibilidade o grande
contingente de escritores negros existentes no nosso panorama literário", afirma Lopes,
65. "E mostrar, também, o modo como os negros foram habitualmente tratados, com estereótipos que moldaram, de forma distorcida, a percepção da
sociedade brasileira sobre nós,
afrodescendentes de todos os
graus." Para ele, esses estereótipos chegaram às telenovelas,
nas personagens da empregada, do negro bandido etc.
Os verbetes têm livros, autores e personagens. Os textos
são muito mais descritivos do
que militantes, mas a visão crítica de Lopes é perceptível.
Criações de escritores importantes são registradas como podendo ter contribuído, de alguma maneira, para a consolidação de um discurso racista.
"Há personagens que são
verdadeiros arquétipos, como a
Bertoleza de "O Cortiço" [de
Aluísio de Azevedo]; a galeria
de tipos do Jorge Amado; os do
Josué Montello em "Tambores
de São Luís'; e os do teatro de
Arthur Azevedo", exemplifica.
Mais do que repisar o suposto alheamento de Machado de
Assis nas questões raciais, Lopes vê um sentido militante em
sua obra ao falar de escritores
pouco conhecidos, especialmente os contemporâneos.
"Em São Paulo, por exemplo,
há um movimento literário que
publica antologias anuais há
mais de 20 anos. Em Minas,
existe uma editora de autores
negros. O dicionário é composto dentro de uma perspectiva
de mostrar o que está escondido", afirma.
Com vocação de polemista
desenvolvida em artigos de jornais, ele faz questão de estar na
linha de frente na defesa das
cotas nas universidades e contra o que chama de "racismo organizado".
"Você escreve um artigo e, no
dia seguinte, já tem um "doutor
da USP", como diz o [deputado
federal do PSOL] Chico Alencar, te replicando. Você escreve
uma carta ao jornal e, aí, no pé
da tua carta, já tem uma "nota
da redação". O racismo se organizou para negar a existência
do racismo no Brasil."
Lançando seu 21º livro, Lopes assume que busca um "respeito" que não alcançou na música popular, apesar dos 35 anos de carreira e de sucessos
como "Senhora Liberdade",
"Tempo de Dondon" e "Gostoso Veneno".
"Embora, aqui em casa, o
sambista pague as contas do escritor, acho que não conquistei
o respeito que mereço", diz.
DICIONÁRIO LITERÁRIO AFRO-BRASILEIRO
Autor: Nei Lopes
Editora: Pallas
Quanto: R$ 35 (168 págs.)
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