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NELSON ASCHER
Paulo Rónai no seu centenário
Embora demonstrasse cedo suas qualidades de latinista, sua tábua de salvação foi o português
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O CENTENÁRIO de nascimento
de Paulo Rónai (seu sobrenome se pronuncia "Rô-nó-i",
em três sílabas, com tônica na primeira) foi comemorado semana
passada, na USP, com uma mesa-redonda organizada pelo professor
John Milton, da qual participaram
os professores Marileide Esqueda,
Zsuzsanna Spiry, Reinaldo Pagura e
este humilde colunista.
Rónai (1907-1992) foi, com Anatol
Rosenfeld e Otto Maria Carpeaux,
um dos três grandes exilados que,
fugindo da crise Européia, da guerra
iminente e da perseguição racista,
trouxeram a um Brasil ainda meio
provinciano, meio dependente das
referências culturais francesas, novas informações, idéias, conceitos e
práticas que haviam sido aperfeiçoadas na Europa Central. Se bem
que muito coincidisse no que pensavam e conheciam, cada qual contribuiu com seu viés específico: Rosenfeld com o filosófico, Carpeaux com
o histórico e Rónai com o filológico.
Nascido na Hungria, ele deixou o
país no final de 1940 para chegar ao
Brasil no início do seguinte. Judeu,
filho de um livreiro, professor, tradutor, especialista em latim e línguas neolatinas, ele passara a juventude convivendo com o clima de anti-semitismo crescente que se instalara na Hungria depois da Primeira
Guerra. Quando emigrou, já havia
sido internado num campo de trabalhos forçados.
Rónai se salvou graças à paixão pelas línguas. Embora tivesse demonstrado cedo, por meio de traduções
poéticas que seguem sendo publicadas em antologias, suas qualidades
de latinista num país que prezava a
erudição clássica, e apesar de sua
francofilia explícita (cursara a Sorbonne e apresentara tese sobre Balzac), o idioma que se revelou sua tábua de salvação foi o português. Como não havia ao redor nem falantes
da língua e muito menos algum curso, ele o estudara por conta própria,
com gramáticas e dicionários na
mão. Finalmente entrou em contato
com um escritor brasileiro, o santista Ribeiro Couto (1898-1963), então
diplomata na Holanda, e, correspondendo-se com ele, informou-se
seja de nuances da língua, seja a respeito do que se escrevia por aqui.
Se há algo curioso nessa trajetória,
é que o húngaro, sem fazer escala relevante na literatura portuguesa, se
embrenhasse de imediato na brasileira e que, nesta, mais do que a consagrada, fosse a recente que o atraísse. O fato é que, malgrado passar na
velhice a imagem (falsa) de um tradicionalista, avesso à vanguarda e às
novidades, Rónai cresceu sob a influência de duas gerações que renovaram radicalmente a poesia e a prosa de seu país -o grupo que se formou em torno da revista "Nyugat"
(Ocidente)- e foi amigo próximo de
diversos expoentes da segunda.
A tradução literária era uma arte
cultivada com afinco na Hungria como, aliás, em diversos outros países
pequenos que não julgavam sua cultura auto-suficiente e desejavam demonstrar, por meio da incorporação
dos clássicos, que sua língua nada ficava a dever a qualquer outra. Essas
duas gerações modernistas, no entanto, praticaram e, discutindo-a incessantemente, teorizaram de tal
maneira a tradução que, aos poucos,
ela se converteu num dos pontos altos da patrimônio nacional. Rónai
trouxe de lá tanto essa experiência
como a constatação de que ela ajudava decisivamente a "cosmopolitizar" uma cultura.
Não é à toa, portanto, que, ao desembarcar no Rio, ele já conhecia a
cena literária melhor do que muitos
críticos locais. Drummond, Bandeira, Mário de Andrade e Cecília Meirelles, entre outros, haviam sido incorporados à antologia de poesia
brasileira (a primeira do gênero)
que ele publicara, em 1939, em Budapeste. (Rónai traduzira também
uma coletânea dos poemas de Ribeiro Couto e é quase certo que foi com
o auxílio deste que conseguiu o visto
brasileiro.) Muitos se tornariam
seus amigos pessoais e, entre os novos que fez, estava um diplomata
que o ajudara nas tentativas, junto
ao Itamaraty, de obter um visto para
sua noiva e demais familiares que
haviam ficado para trás. Certo dia, o
amigo enviou-lhe seu livro de estréia. Tratava-se de "Sagarana".
Seu trabalho de tradutor e teórico
do ofício é conhecido e celebrado. A
importância de sua atividade crítica,
nem tanto. Rónai, no entanto, esteve entre os primeiros a reconheceram a grandeza dos autores acima e,
no caso de Guimarães Rosa (com
quem compartilhava o interesse pelas minúcias lingüísticas), foi dos
que mais se empenharam em elucidar as dificuldades de sua obra. A
melhor homenagem que lhe poderia
ser feita seria a republicação de seus
ensaios, em particular aqueles sobre
literatura brasileira, a começar por
"Encontros com o Brasil" (1958).
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