São Paulo, sábado, 18 de janeiro de 1997.

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ELIS
Começo do sucesso foi em SP

WALTER SILVA
especial para Folha

A primeira vez que Elis veio a São Paulo foi para divulgar seu LP de estréia ("Viva a Brotolândia"), em 1961. Por coincidência, foi ao programa "O Pick-Up do Pica-Pau", que eu produzia e apresentava na Rádio Bandeirantes, das 10 às 12 horas, diariamente.
Por ser o primeiro programa que recebia artistas no período da manhã, foi lá que ela apareceu acompanhada do divulgador da Continental.
Por um desses caprichos do destino, ao ouvi-la em "Dor de Cotovelo", de João Roberto Kelly, ousei dizer à Elis: "Menina, você vai ser a maior cantora deste país".
Uma ouvinte tem isso gravado e guarda como um troféu.
Sua segunda estada, um pouco mais longa, foi em 1964, quando, indicada por Sílvio César, na época o melhor cantor romântico da noite, participou ao seu lado de uma curta temporada na boate "Djalma's" -que havia sido do pianista e compositor Djalma Ferreira.
O "Djalma's" acabava de ser comprado por Luís Vassalo, homem da noite que tinha também uma rede de lojas de discos em São Paulo. Vassalo pediu ao produtor de shows Solano Ribeiro, ao jornalista Arley Pereira e ao seu gordíssimo sócio Teco que cuidassem do assunto.
Solano, sempre um "expert" no assunto, sugeriu Sílvio César, que, com aquele seu jeitinho calmo de falar, indicou uma gauchinha que fazia muito sucesso no Bottle's, no Beco das Garrafas, no Rio.
A verba era curta e Elis veio ganhando cinco cruzeiros por noite, mais hospedagem no Hotel Marrocos, que ficava na esquina da Praça Roosevelt (ao lado da boate) e ao lado do canal 9, TV Excelsior.
Esse foi o seu primeiro endereço em São Paulo. Só para lembrar, o "Sambossa 5" -formado por Kuntz (sax alto) Hector Costita (sax tenor, flauta) Luís Mello (piano) Chu Vianna (baixo) e Turquinho (bateria)- os acompanhava.
No dia 31 de agosto desse ano de 1964, Elis, Sílvio César e o Sambossa 5 foram levados a participar do show "Boa Bossa", no teatro Paramount, que ajudei Sérgio Barbour a produzir para a Associação Beneficente de Moças da colônia sírio-libanesa.
Elis estourou. E olhem que no mesmo show estavam Agostinho dos Santos, Peri Ribeiro, Lenie Dale, Zimbo Trio, Johnny Alf, Sambalanço Trio (César Mariano, Airto Moreira e Cleiber) Marisa (Gata Mansa), Geraldo Cunha, Ana Lúcia, Manfredo Fest Trio, Messias e Nara Leão, apresentados pelo saudoso Humberto Marçal.
Najah Haddad, uma das patronesses, vibrou de emoção com o sucesso do show e em particular com Elis Regina, na sua primeira apresentação em teatro em sua vida.
No dia 26 de outubro, arrebatou o Teatro Paramount, cantando com Marcos Valle e o Copa Trio -Dom Um Romão (bateria), Salvador (piano) e Gusmão (contrabaixo)- a composição de Marcos e Paulo Sérgio Valle "Terra de Ninguém".
Duas mil pessoas jogavam paletós e bolsas para cima, num delírio nunca visto num teatro que antes não apresentava música, só teatro mesmo.
Esse show chamou-se "O Remédio É Bossa" e foi feito para o Centro Acadêmico Pereira Barreto, da Escola Paulista de Medicina. Deu tanto lucro que a comissão de formatura, que organizou o show por mim dirigido e produzido, viajou à Europa com o dinheiro.
No mês seguinte, achando que Elis já estava pronta para estrelar seu próprio show, produzimos para a Faculdade de Odontologia da USP a "Primeira Denti-Samba".
Na primeira parte, Walter Santos, Peri Ribeiro, Geraldo Vandré, Oscar Castro Neves, Paulinho Nogueira, Alaíde Costa e Zimbo Trio, e, na segunda, pela primeira vez em seu show solo de uma hora, Elis (mais o Copa Trio que a acompanhava desde o Beco das Garrafas).
Foi uma loucura nunca vista. Não queriam deixar a baixinha sair do palco. Um delírio. Casa cheia (1.680 lugares) e a certeza de que já havia nascido nossa maior estrela.
1965 foi talvez o ano mais profícuo na vida de Elis Regina. Em abril, dia 6, ganhou o Berimbau de Ouro por ter vencido o Festival da TV Excelsior com "Arrastão", de Edu Lobo e Vinicius de Moraes.
Nos dias 9, 10 e 12 de abril, foi a estrela do show que virou o disco "Dois na Bossa", que produzimos no Teatro Paramount, em que ela e Jair Rodrigues foram acompanhados pelo Jongo Trio -Cido (piano), Sabá (contrabaixo), e Toninho Pinheiro (bateria).
Três dias de loucura total. Sucesso absoluto, a ponto de este produtor ser procurado pela Philips (Companhia Brasileira de Discos) para vender a fita do espetáculo. João Araujo, então seu diretor, levou-a por míseros 1.500 cruzeiros. Eu nem sabia que poderia vender minha produção naquela época. Valeu. Vendeu mais de um milhão de cópias. Não me deram royalties!
Ainda nesse período, Elis ganhou o troféu Roquete Pinto, na TV Record, como melhor cantora.
Elis adorava São Paulo. Morou em vários lugares da cidade. Sua primeira residência fixa foi na av. Ipiranga, esquina com a av. Rio Branco, no mesmo prédio onde moravam Marcos Lázaro e sua família, seus grandes amigos (e ele, seu mais importante empresário).
Morou depois num casa térrea na r. Califórnia, no Brooklin Novo, mudando-se depois para a Serra da Cantareira, no parque Petrópolis. Junto com Elis e César, João Marcello, seu primeiro filho (com Ronaldo Bôscoli), e Pedro, seu primeiro filho com César. Elis chegou a declarar: "Agora tenho dois primogênitos em casa...". Lá nasceu também Maria Rita, a 9 de setembro de 1977.
Fixou suas amarras em São Paulo. Daqui partia para os shows do "Circuito Universitário", produzido por Roberto de Oliveira. E aqui obteve seu maior e mais consagrador sucesso.
Mais de 200 mil pessoas viram no teatro Bandeirantes o show "Falso Brilhante". Um fenômeno de empatia popular. Eram mais de 1.500 pessoas todas as noites lotando aquele teatro. Ali Elis se expôs por inteiro de 17 de dezembro de 1975 a 18 de fevereiro de 1977. Ali ela disse tudo de todas as maneiras. Mostrou todas as faces do seu imensurável talento.
Lágrimas diárias eram derramadas por aquelas pessoas que se identificavam com a sensibilidade enorme de Elis, incomparável e que nunca mais se verá neste país, assim como nunca mais um Tom Jobim, um Pelé, um João Gilberto. Quem viu, viu; quem não viu nunca mais verá.
Em 1982, morreu onde quis viver. Seu último show, "Trem Azul", também aconteceu aqui. Já morava na r. Mello Alves, nos Jardins. Ela, que havia inaugurado aquele teatro da TV Bandeirantes, foi a última grande atração ali vista antes de ele se transformar em Igreja Universal do Reino de Deus.
Foi aquele antigo teatro que escolhemos, Roberto de Oliveira e eu, para que ela fosse vista pela última vez.
Dali, conforme acordaram seu irmão Rogério (morto recentemente) e seu marido Cesar Mariano, Elis foi morar no Cemitério do Morumbi, dentro desta cidade que tanto a amou e a quem ela tanto de si distribuiu.
Faz 15 anos que ela se foi e ainda parecem ouvir-se seus agudos rasgando sua garganta e seus graves afinadíssimos balançando nosso coração pra lá e pra cá. Dois pra lá e um pra cá. Que saudade.


Walter Silva, 63, é jornalista e produtor musical.

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