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ELIS
Começo do sucesso foi em SP
WALTER SILVA
especial para Folha
A primeira vez que Elis veio a São
Paulo foi para divulgar seu LP de
estréia ("Viva a Brotolândia"),
em 1961. Por coincidência, foi ao
programa "O Pick-Up do Pica-Pau", que eu produzia e apresentava na Rádio Bandeirantes,
das 10 às 12 horas, diariamente.
Por ser o primeiro programa que
recebia artistas no período da manhã, foi lá que ela apareceu acompanhada do divulgador da Continental.
Por um desses caprichos do destino, ao ouvi-la em "Dor de Cotovelo", de João Roberto Kelly, ousei dizer à Elis: "Menina, você vai
ser a maior cantora deste país".
Uma ouvinte tem isso gravado e
guarda como um troféu.
Sua segunda estada, um pouco
mais longa, foi em 1964, quando,
indicada por Sílvio César, na época
o melhor cantor romântico da noite, participou ao seu lado de uma
curta temporada na boate "Djalma's" -que havia sido do pianista e compositor Djalma Ferreira.
O "Djalma's" acabava de ser
comprado por Luís Vassalo, homem da noite que tinha também
uma rede de lojas de discos em São
Paulo. Vassalo pediu ao produtor
de shows Solano Ribeiro, ao jornalista Arley Pereira e ao seu gordíssimo sócio Teco que cuidassem do
assunto.
Solano, sempre um "expert" no
assunto, sugeriu Sílvio César, que,
com aquele seu jeitinho calmo de
falar, indicou uma gauchinha que
fazia muito sucesso no Bottle's, no
Beco das Garrafas, no Rio.
A verba era curta e Elis veio ganhando cinco cruzeiros por noite,
mais hospedagem no Hotel Marrocos, que ficava na esquina da
Praça Roosevelt (ao lado da boate)
e ao lado do canal 9, TV Excelsior.
Esse foi o seu primeiro endereço
em São Paulo. Só para lembrar, o
"Sambossa 5" -formado por
Kuntz (sax alto) Hector Costita
(sax tenor, flauta) Luís Mello (piano) Chu Vianna (baixo) e Turquinho (bateria)- os acompanhava.
No dia 31 de agosto desse ano de
1964, Elis, Sílvio César e o Sambossa 5 foram levados a participar do
show "Boa Bossa", no teatro Paramount, que ajudei Sérgio Barbour a produzir para a Associação
Beneficente de Moças da colônia
sírio-libanesa.
Elis estourou. E olhem que no
mesmo show estavam Agostinho
dos Santos, Peri Ribeiro, Lenie Dale, Zimbo Trio, Johnny Alf, Sambalanço Trio (César Mariano, Airto Moreira e Cleiber) Marisa (Gata
Mansa), Geraldo Cunha, Ana Lúcia, Manfredo Fest Trio, Messias e
Nara Leão, apresentados pelo saudoso Humberto Marçal.
Najah Haddad, uma das patronesses, vibrou de emoção com o
sucesso do show e em particular
com Elis Regina, na sua primeira
apresentação em teatro em sua vida.
No dia 26 de outubro, arrebatou
o Teatro Paramount, cantando
com Marcos Valle e o Copa Trio
-Dom Um Romão (bateria), Salvador (piano) e Gusmão (contrabaixo)- a composição de Marcos
e Paulo Sérgio Valle "Terra de
Ninguém".
Duas mil pessoas jogavam paletós e bolsas para cima, num delírio
nunca visto num teatro que antes
não apresentava música, só teatro
mesmo.
Esse show chamou-se "O Remédio É Bossa" e foi feito para o Centro Acadêmico Pereira Barreto, da
Escola Paulista de Medicina. Deu
tanto lucro que a comissão de formatura, que organizou o show por
mim dirigido e produzido, viajou à
Europa com o dinheiro.
No mês seguinte, achando que
Elis já estava pronta para estrelar
seu próprio show, produzimos para a Faculdade de Odontologia da
USP a "Primeira Denti-Samba".
Na primeira parte, Walter Santos, Peri Ribeiro, Geraldo Vandré,
Oscar Castro Neves, Paulinho Nogueira, Alaíde Costa e Zimbo Trio,
e, na segunda, pela primeira vez
em seu show solo de uma hora, Elis
(mais o Copa Trio que a acompanhava desde o Beco das Garrafas).
Foi uma loucura nunca vista.
Não queriam deixar a baixinha sair
do palco. Um delírio. Casa cheia
(1.680 lugares) e a certeza de que já
havia nascido nossa maior estrela.
1965 foi talvez o ano mais profícuo na vida de Elis Regina. Em
abril, dia 6, ganhou o Berimbau de
Ouro por ter vencido o Festival da
TV Excelsior com "Arrastão", de
Edu Lobo e Vinicius de Moraes.
Nos dias 9, 10 e 12 de abril, foi a
estrela do show que virou o disco
"Dois na Bossa", que produzimos no Teatro Paramount, em que
ela e Jair Rodrigues foram acompanhados pelo Jongo Trio -Cido
(piano), Sabá (contrabaixo), e Toninho Pinheiro (bateria).
Três dias de loucura total. Sucesso absoluto, a ponto de este produtor ser procurado pela Philips
(Companhia Brasileira de Discos)
para vender a fita do espetáculo.
João Araujo, então seu diretor, levou-a por míseros 1.500 cruzeiros.
Eu nem sabia que poderia vender
minha produção naquela época.
Valeu. Vendeu mais de um milhão
de cópias. Não me deram royalties!
Ainda nesse período, Elis ganhou o troféu Roquete Pinto, na
TV Record, como melhor cantora.
Elis adorava São Paulo. Morou
em vários lugares da cidade. Sua
primeira residência fixa foi na av.
Ipiranga, esquina com a av. Rio
Branco, no mesmo prédio onde
moravam Marcos Lázaro e sua família, seus grandes amigos (e ele,
seu mais importante empresário).
Morou depois num casa térrea
na r. Califórnia, no Brooklin Novo, mudando-se depois para a Serra da Cantareira, no parque Petrópolis. Junto com Elis e César, João
Marcello, seu primeiro filho (com
Ronaldo Bôscoli), e Pedro, seu primeiro filho com César. Elis chegou
a declarar: "Agora tenho dois primogênitos em casa...". Lá nasceu
também Maria Rita, a 9 de setembro de 1977.
Fixou suas amarras em São Paulo. Daqui partia para os shows do
"Circuito Universitário", produzido por Roberto de Oliveira. E
aqui obteve seu maior e mais consagrador sucesso.
Mais de 200 mil pessoas viram no
teatro Bandeirantes o show "Falso
Brilhante". Um fenômeno de empatia popular. Eram mais de 1.500
pessoas todas as noites lotando
aquele teatro. Ali Elis se expôs por
inteiro de 17 de dezembro de 1975 a
18 de fevereiro de 1977. Ali ela disse
tudo de todas as maneiras. Mostrou todas as faces do seu imensurável talento.
Lágrimas diárias eram derramadas por aquelas pessoas que se
identificavam com a sensibilidade
enorme de Elis, incomparável e
que nunca mais se verá neste país,
assim como nunca mais um Tom
Jobim, um Pelé, um João Gilberto.
Quem viu, viu; quem não viu nunca mais verá.
Em 1982, morreu onde quis viver. Seu último show, "Trem
Azul", também aconteceu aqui. Já
morava na r. Mello Alves, nos Jardins. Ela, que havia inaugurado
aquele teatro da TV Bandeirantes,
foi a última grande atração ali vista
antes de ele se transformar em
Igreja Universal do Reino de Deus.
Foi aquele antigo teatro que escolhemos, Roberto de Oliveira e
eu, para que ela fosse vista pela última vez.
Dali, conforme acordaram seu
irmão Rogério (morto recentemente) e seu marido Cesar Mariano, Elis foi morar no Cemitério do
Morumbi, dentro desta cidade que
tanto a amou e a quem ela tanto de
si distribuiu.
Faz 15 anos que ela se foi e ainda
parecem ouvir-se seus agudos rasgando sua garganta e seus graves
afinadíssimos balançando nosso
coração pra lá e pra cá. Dois pra lá e
um pra cá. Que saudade.
Walter Silva, 63, é jornalista e produtor musical.
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