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Em entrevista, a francesa Isabelle Huppert fala de sua personagem reprimida em "A Professora de Piano"
Sarau sangrento
ANTONIO JÚNIOR
ESPECIAL PARA A FOLHA, DE BARCELONA
Pensando nela, diretores como
Chabrol ou Tavernier escrevem
seus roteiros. Nascida em Paris,
Isabelle Huppert, 46, é uma atriz
que valoriza principalmente o trabalho do diretor-autor e é um
prodígio de intensidade e força
em suas interpretações.
Desde que ganhou em 1978 o
prêmio de melhor atriz no Festival de Cannes (repetindo o feito
em 2001), atuou em mais de 60 filmes, rodando em francês, russo e
inglês com cineastas como Otto
Preminger, Jean-Luc Godard, Michael Cimino, André Téchiné, Hal
Hartley e Marco Ferreri.
Máximo símbolo do cinema
francês, é uma atriz cuja filmografia está repleta de monstros humanos. A frágil figura de Isabelle
Huppert é esse monstro. No seu
mais recente êxito, "A Professora
de Piano", do austríaco Michael
Haneke, que estréia hoje em São
Paulo, Huppert faz uma fria e antipática professora reprimida sexualmente que sente atração por
um de seus alunos e tem um difícil
relacionamento com a mãe. De
Barcelona, a atriz falou à Folha
sobre sua carreira e o novo filme.
Folha - Você é conhecida pelo rigor com que escolhe os diretores
de seus trabalhos. Por que escolheu Michael Haneke?
Isabelle Huppert - Procuro verdadeiros autores, não me importa
se são conhecidos ou não. Creio
nos cineastas que têm compromissos com sua época e com a sociedade em que vivem. O cinema
é um compromisso estético além
de político. Haneke faz parte dessa categoria de autores sensíveis.
Folha - O que você acha da pianista Erika Kohut, sua personagem?
Huppert - Ela é uma mulher difícil, que mistura paixão, erudição e
frieza, vagando num universo angustiante. Está perdida numa dialética entre repressão e liberação.
Assumi o papel atuando com esses mesmos sentimentos contraditórios. Não tentei me parecer
com Erika, procurei fragmentos
no meu interior que fossem válidos para construir o personagem.
Folha - A sua galeria de personagens monstruosos continua em
crescimento. Você se sente atraída
pelo mal absoluto?
Huppert - Tanto a assassina de
"A Cerimônia" como a mulher
que acaba na guilhotina em "Um
Assunto de Mulheres" tinham
maldade dentro delas. Mas existem muitas maneiras de ser diabólico ou maligno, e é interessante saber como se chega ao grau
máximo de maldade, qual é o caminho escolhido. Em "Medéia",
de Eurípides, que fiz recentemente no teatro, a monstruosidade
nascia de um sofrimento interior
enorme. Portanto não me repito
nem quero ser a má do cinema
europeu, apenas aceito papéis
profundos. Além do mais, nenhuma forma de maldade é desumana, nenhuma é incompreensível.
Folha - Como você vê o mundo do
teatro hoje?
Huppert - O teatro requer uma
força importante. Mentalmente é
necessário saber controlar sua
energia. Nenhuma técnica ou
concentração evita que se saia
marcada intimamente, ao contrário do cinema. A verdade é que,
quando acabo uma obra de teatro, me sinto vazia e cansada. Mas
sempre atuarei no teatro.
Folha - Você filmou poucas vezes
em Hollywood. Não se sente atraída a trabalhar lá?
Huppert - Nem todas as verdades se prestam para ser contadas
nos Estados Unidos. Nem todos
os atores europeus estão loucos
para atuar em Hollywood.
Folha - Você jamais fala de sua vida privada, mas seus olhos brilham
quando o assunto é seu trabalho...
Huppert - Falar da minha intimidade me dá nojo. Quanto ao meu
trabalho, gosto de atuar. É o que
sei fazer. Nessa profissão, você está exposto a que lhe ofereçam
maus bombons, mas a mim sempre chegam os mais saborosos.
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