São Paulo, sexta-feira, 18 de janeiro de 2002

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Em entrevista, a francesa Isabelle Huppert fala de sua personagem reprimida em "A Professora de Piano"

Sarau sangrento

ANTONIO JÚNIOR
ESPECIAL PARA A FOLHA, DE BARCELONA

Pensando nela, diretores como Chabrol ou Tavernier escrevem seus roteiros. Nascida em Paris, Isabelle Huppert, 46, é uma atriz que valoriza principalmente o trabalho do diretor-autor e é um prodígio de intensidade e força em suas interpretações.
Desde que ganhou em 1978 o prêmio de melhor atriz no Festival de Cannes (repetindo o feito em 2001), atuou em mais de 60 filmes, rodando em francês, russo e inglês com cineastas como Otto Preminger, Jean-Luc Godard, Michael Cimino, André Téchiné, Hal Hartley e Marco Ferreri.
Máximo símbolo do cinema francês, é uma atriz cuja filmografia está repleta de monstros humanos. A frágil figura de Isabelle Huppert é esse monstro. No seu mais recente êxito, "A Professora de Piano", do austríaco Michael Haneke, que estréia hoje em São Paulo, Huppert faz uma fria e antipática professora reprimida sexualmente que sente atração por um de seus alunos e tem um difícil relacionamento com a mãe. De Barcelona, a atriz falou à Folha sobre sua carreira e o novo filme.

Folha - Você é conhecida pelo rigor com que escolhe os diretores de seus trabalhos. Por que escolheu Michael Haneke?
Isabelle Huppert -
Procuro verdadeiros autores, não me importa se são conhecidos ou não. Creio nos cineastas que têm compromissos com sua época e com a sociedade em que vivem. O cinema é um compromisso estético além de político. Haneke faz parte dessa categoria de autores sensíveis.

Folha - O que você acha da pianista Erika Kohut, sua personagem?
Huppert -
Ela é uma mulher difícil, que mistura paixão, erudição e frieza, vagando num universo angustiante. Está perdida numa dialética entre repressão e liberação. Assumi o papel atuando com esses mesmos sentimentos contraditórios. Não tentei me parecer com Erika, procurei fragmentos no meu interior que fossem válidos para construir o personagem.

Folha - A sua galeria de personagens monstruosos continua em crescimento. Você se sente atraída pelo mal absoluto?
Huppert -
Tanto a assassina de "A Cerimônia" como a mulher que acaba na guilhotina em "Um Assunto de Mulheres" tinham maldade dentro delas. Mas existem muitas maneiras de ser diabólico ou maligno, e é interessante saber como se chega ao grau máximo de maldade, qual é o caminho escolhido. Em "Medéia", de Eurípides, que fiz recentemente no teatro, a monstruosidade nascia de um sofrimento interior enorme. Portanto não me repito nem quero ser a má do cinema europeu, apenas aceito papéis profundos. Além do mais, nenhuma forma de maldade é desumana, nenhuma é incompreensível.

Folha - Como você vê o mundo do teatro hoje?
Huppert -
O teatro requer uma força importante. Mentalmente é necessário saber controlar sua energia. Nenhuma técnica ou concentração evita que se saia marcada intimamente, ao contrário do cinema. A verdade é que, quando acabo uma obra de teatro, me sinto vazia e cansada. Mas sempre atuarei no teatro.

Folha - Você filmou poucas vezes em Hollywood. Não se sente atraída a trabalhar lá?
Huppert -
Nem todas as verdades se prestam para ser contadas nos Estados Unidos. Nem todos os atores europeus estão loucos para atuar em Hollywood.

Folha - Você jamais fala de sua vida privada, mas seus olhos brilham quando o assunto é seu trabalho...
Huppert -
Falar da minha intimidade me dá nojo. Quanto ao meu trabalho, gosto de atuar. É o que sei fazer. Nessa profissão, você está exposto a que lhe ofereçam maus bombons, mas a mim sempre chegam os mais saborosos.



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