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"Mar Adentro" explora dualidade
ÉRICA FRAGA
DE LONDRES
Nada de suspense ou "thriller"
psicológico. Ao contrário de "Os
Outros" e "Preso na Escuridão",
"Mar Adentro", o novo filme do
diretor chileno radicado na Espanha Alejandro Amenábar é um
drama, com toque de comédia,
baseado numa história real sobre
eutanásia. Apesar da mudança de
gênero, Amenábar volta a explorar como o ser humano encara a
dualidade entre vida e morte.
"Mar Adentro" tem ganhado
vários prêmios internacionais e
foi indicado pela Espanha para
concorrer a uma indicação ao Oscar de melhor filme estrangeiro,
desbancando "Má Educação", de
Pedro Almodóvar.
O filme narra a vida do marinheiro galego Ramón Sampedro,
interpretado por Javier Bardem,
que ficou preso em uma cama por
quase 30 anos, depois de um acidente que o deixou tetraplégico, e
lutou sem sucesso para que a Justiça autorizasse a eutanásia.
Amenábar escapou do perigo
de fazer um melodrama. Ao contrário, embora a história seja dramática e emocionante, conseguiu
retratar o incrível senso de humor
e a determinação de Sampedro.
Gênero
Sobre a mudança de gênero
-"Os Outros" é um filme de terror psicológico e "Preso na Escuridão" um "thriller" de ficção
científica-, Amenábar diz que
foi arrebatado pela história.
"Eu diria que, nos outros casos,
escolhi as histórias. Desta vez, a
história realmente me escolheu",
disse Amenábar em entrevista a
jornalistas, em Londres.
O diretor conta que se impressionou com a história de Sampedro desde que sua campanha veio
à tona no fim dos anos 90, quando
acabou se matando. Quando começou a pesquisar sobre o marinheiro, sua intenção era apenas
identificar elementos para compor um roteiro, mas descobriu aspectos sobre a personalidade de
Sampedro que o fascinaram.
"Acho que nunca faria um filme
sobre eutanásia, não fosse pelo
extraordinário personagem e pelas circunstâncias", disse.
Sampedro, autor do livro "Cartas do Inferno", em momento nenhum hesitou sobre sua decisão
de querer morrer, mantinha uma
forte convicção sobre seus pontos
de vista e parecia encarar a vida
com uma lucidez impressionante.
O contato de Sampedro e da platéia com o mundo exterior é intermediado por uma janela do quarto do personagem. A imaginação
do galego é representada em cenas aéreas com tomadas que o
mostram voando sobre florestas e
através de montanhas até o mar.
Amores
Mas a trama é amarrada mesmo
por diálogos, nos quais se destacam o realismo na interpretação
dos atores. No seu centro, está a
forte relação entre Sampedro e
sua família, mas principalmente o
interessante jogo de relacionamentos que o personagem mantém com duas mulheres.
Julia (Belén Jueda) é uma advogada que sofre de uma doença degenerativa e decide apoiar a causa
de Sampedro, se oferecendo a representá-lo na Justiça. Rosa (Lola
Dueñas) é uma mulher simples
que se aproxima dele para tentar
convencê-lo a mudar de idéia.
As duas mulheres-que sintetizam pessoas que, de fato, se envolveram com Sampedro- são
usadas por Amenábar como representações de dois ideais opostos. Ambas acabam se apaixonando por ele e, ao longo da história,
mudam de lado em relação ao que
pensam.
Esse jogo é usado pelo diretor
para evitar que a convicção inabalável de Sampedro fizesse com
que o filme se tornasse uma apologia à eutanásia. "Tentamos não
fazer um filme pró-eutanásia. Por
isso mostramos os dois lados, tentando jogar com a dualidade entre vida e morte", disse.
O cuidado não evitou que o filme causasse polêmica na Espanha, onde a Igreja Católica se manifestou publicamente contra.
Por outro lado, tem feito sucesso
com a crítica. No último Festival
de Veneza, "Mar Adentro"-que
estréia no Brasil em 4 de fevereiro- ganhou o Grande Prêmio do
Júri e Bardem foi escolhido melhor ator. Recentemente, foi eleito
melhor filme estrangeiro pelo
Conselho Nacional de Críticos
dos EUA. Sobre a decisão da Academia Espanhola de Artes e Ciências Cinematográficas de indicar
"Mar Adentro" ao Oscar ter desagradado Almodóvar, Amenábar é
diplomático. Diz que há sempre
algo desagradável em competir,
principalmente, quando o concorrente é "um dos maiores".
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