São Paulo, sexta-feira, 18 de fevereiro de 2000


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CINEMA
Produtores reagem a rigor classificatório

ALVARO MACHADO
especial para a Folha

Produtores, distribuidores e exibidores de cinema protestam contra os critérios mais rigorosos que o Ministério da Justiça vem adotando, desde o início deste mês, para indicar filmes segundo faixas etárias.
Representantes da indústria cinematográfica se reuniram com o governo na última semana. Decidiu-se acrescentar às faixas para menores já existentes em salas de exibição a classe "16 anos". A portaria deve ser assinada nas próximas semanas pelo ministro José Carlos Dias.
O setor faz coro para afirmar que está servindo de "bode expiatório" num impasse provocado pelas emissoras de TV, cuja auto-regulamentação (ou código de conduta) é cobrada sem sucesso pelo governo há pelo menos seis meses. Elizabeth Sussekind, secretária nacional da Justiça, anunciou esta semana a criação de seis faixas de idade e de uma tarja de recomendação que deverá ser projetada permanentemente sobre novelas, filmes e desenhos na TV, além de um maior controle de telejornais e de especiais. A portaria deve ser criada em março próximo.
Tais medidas visam combater abusos recentes e tentar prevenir casos como o do esfaqueamento, no Distrito Federal, de uma garota de 7 anos por colega de 9. O menino declarou ter imitado cena de filme de horror exibido pelo SBT no início do mês.
"De alguns meses para cá, o controle está mais rigoroso e vai continuar assim, em função da violência crescente em nossa sociedade", afirma a advogada Myrna Fraga, 60, coordenadora do Departamento de Classificação Indicativa (Declas), da Secretaria Nacional da Justiça, que trata de filmes de cinema e das faixas horárias de exibição em TVs.

Restrições legais
O Ministério da Justiça anuncia, ainda, o estudo de fórmulas para punir não só emissoras, mas também casas de espetáculo e cinemas que desrespeitarem as recomendações de idade, o que já vem acontecendo por meio dos juizados locais. As indicações do Declas são interpretadas como restrição legal pelas varas de infância e juventude estaduais, que prestam obediência a artigos da Lei nº 8.069, de 1990 (Estatuto do Menor e do Adolescente).
Segundo Jorge Peregrino, vice-presidente da United International Pictures (UIP) para a América Latina e presidente de sindicato de distribuidores cinematográficos estrangeiros, a indicação "16 anos" representa um passo para a conciliação entre os interesses de governo, distribuidores e exibidores, e também uma "modernização", já que se considerava "muito grande o intervalo entre 14 e 18 anos nos atuais tempos de amadurecimento precoce".
A faixa etária seria criada pelos próprios produtores, caso existisse a auto-regulamentação que o setor pleiteia. "O ideal seria o autocontrole, como o da Motion Picture Association dos EUA (MPAA), ao passo que agora, por conta dos abusos das TVs, estamos sofrendo um grau maior de restrição nas indicações", acrescenta Peregrino.
"A UIP lamenta, por exemplo, a classificação "maiores de 18" dada ao filme "A Lenda do Cavaleiro Sem Cabeça", de Tim Burton (ainda em cartaz). Depois de recorrer, sem sucesso, da faixa indicada, a distribuidora externou sua insatisfação em anúncios pagos: "Este filme é diversão garantida para toda a família. Infelizmente foi censurado para menores de 18 anos".
Em seu site na Internet, a UIP passou a acolher reclamações sobre a "censura", recolhendo mais de 450 comentários, muitos dos quais com palavras de baixo calão. Nos EUA, a violência estilizada do filme de Burton recebeu da associação de produtores a letra "R" (menores de 17 requerem acompanhamento de pai ou responsável), quarto grau de restrição entre cinco possíveis, por causa de "sangue, violência e horror gráficos".
A coordenadora do Declas não admite a palavra censura: "Fizeram essa nota arbitrariamente, e se o cinema deixar entrar um menor em filme não-recomendado, mesmo em companhia do pai, será multado, como aconteceu em Porto Alegre", diz Myrna Fraga.

Autuação
Episódio semelhante deu-se com a atriz Alessandra Negrini, que participa da minissérie "A Muralha" (Globo). Na semana passada, ela foi autuada por um juiz da 1ª Vara da Infância e Juventude, do Rio, por ter levado o filho de três anos para ver "A Lenda do Cavaleiro Sem Cabeça". Sob ameaça de perder a guarda do filho, a atriz está apresentando defesa, enquanto o cine Leblon 1, na zona sul, também foi autuado.
Entre os produtores, Luiz Carlos Barreto, que está submetendo ao Declas a comédia "Bossa Nova", identifica a nova orientação como "tentativa de retomada da censura". "Já vi esse filme: é uma dessas recaídas fascistas frequentes no país. Caso se continue insistindo em tutelar os produtores e o público, jamais se estabelecerá aqui uma cultura democrática", opina Barreto. "Vemos com perplexidade essa nova onda em relação a filmes com linguagem de história em quadrinhos, feitos para adolescentes. É querer controlar o incontrolável", ecoa Bruno Wainer, 39, diretor da distribuidora Lumière.
Os exibidores manifestam opinião semelhante, apreensivos com "burocracias de fiscalização cada vez mais difíceis de cumprir e medidas legais que prejudicam o funcionamento do mercado". Segundo Alberto Bitteli, do Sindicato dos Exibidores do Estado de São Paulo, "a partir dos anos 70, as interferências foram tão frequentes que fecharam as portas de milhares de cinemas. Hoje, há no país cerca de 1.400 salas, incluindo as novas multiplex, contra 4.500 no início dos anos 70".
À parte a preocupação com o "livre-arbítrio dos produtores e pais", divisa-se questão mais palpável: as bilheterias milionárias dos filmes destinados à criança e ao adolescente.
O gênero está em alta em estúdios do mundo inteiro, com segmentações cada vez mais sofisticadas. No Brasil, estima-se quedas de arrecadação de até 50% quando o selo "18 anos" prevalece.

"Livre"
Entre as produções mais recentes, o francês "Asterix e Obelixcontra César" ficou inicialmente apenas "para maiores de 12", por "situações ofensivas aos valores éticos".
O distribuidor recorreu e ganhou, afinal, o selo "livre". Inicialmente liberado para maiores de 14, "Vivendo no Limite", de Scorsese, virou produto para 18 somente na segunda semana de exibição. A produção brasileira "Hans Staden" será destinada a maiores de 12, em parte por causa da nudez de índios.
Na seara "circo do terror", a Lumière Filmes se preocupa com a indicação que deve levar o norte-americano "Pânico 3". Os títulos anteriores da série foram recomendados no país para maiores de 14 anos, sendo que nos EUA receberam código "R".


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