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CINEMA
Produtores reagem a rigor classificatório
ALVARO MACHADO
especial para a Folha
Produtores, distribuidores e
exibidores de cinema protestam
contra os critérios mais rigorosos
que o Ministério da Justiça vem
adotando, desde o início deste
mês, para indicar filmes segundo
faixas etárias.
Representantes da indústria cinematográfica se reuniram com o
governo na última semana. Decidiu-se acrescentar às faixas para
menores já existentes em salas de
exibição a classe "16 anos". A portaria deve ser assinada nas próximas semanas pelo ministro José
Carlos Dias.
O setor faz coro para afirmar
que está servindo de "bode expiatório" num impasse provocado
pelas emissoras de TV, cuja auto-regulamentação (ou código de
conduta) é cobrada sem sucesso
pelo governo há pelo menos seis
meses. Elizabeth Sussekind, secretária nacional da Justiça, anunciou esta semana a criação de seis
faixas de idade e de uma tarja de
recomendação que deverá ser
projetada permanentemente sobre novelas, filmes e desenhos na
TV, além de um maior controle
de telejornais e de especiais. A
portaria deve ser criada em março
próximo.
Tais medidas visam combater
abusos recentes e tentar prevenir
casos como o do esfaqueamento,
no Distrito Federal, de uma garota de 7 anos por colega de 9. O menino declarou ter imitado cena de
filme de horror exibido pelo SBT
no início do mês.
"De alguns meses para cá, o
controle está mais rigoroso e vai
continuar assim, em função da
violência crescente em nossa sociedade", afirma a advogada
Myrna Fraga, 60, coordenadora
do Departamento de Classificação Indicativa (Declas), da Secretaria Nacional da Justiça, que trata
de filmes de cinema e das faixas
horárias de exibição em TVs.
Restrições legais
O Ministério da Justiça anuncia, ainda, o estudo de fórmulas
para punir não só emissoras, mas
também casas de espetáculo e cinemas que desrespeitarem as recomendações de idade, o que já
vem acontecendo por meio dos
juizados locais. As indicações do
Declas são interpretadas como
restrição legal pelas varas de infância e juventude estaduais, que
prestam obediência a artigos da
Lei nº 8.069, de 1990 (Estatuto do
Menor e do Adolescente).
Segundo Jorge Peregrino, vice-presidente da United International Pictures (UIP) para a América
Latina e presidente de sindicato
de distribuidores cinematográficos estrangeiros, a indicação "16
anos" representa um passo para a
conciliação entre os interesses de
governo, distribuidores e exibidores, e também uma "modernização", já que se considerava "muito grande o intervalo entre 14 e 18
anos nos atuais tempos de amadurecimento precoce".
A faixa etária seria criada pelos
próprios produtores, caso existisse a auto-regulamentação que o
setor pleiteia. "O ideal seria o autocontrole, como o da Motion
Picture Association dos EUA
(MPAA), ao passo que agora, por
conta dos abusos das TVs, estamos sofrendo um grau maior de
restrição nas indicações", acrescenta Peregrino.
"A UIP lamenta, por exemplo, a
classificação "maiores de 18" dada ao filme "A Lenda do Cavaleiro
Sem Cabeça", de Tim Burton
(ainda em cartaz). Depois de recorrer, sem sucesso, da faixa indicada, a distribuidora externou sua
insatisfação em anúncios pagos:
"Este filme é diversão garantida
para toda a família. Infelizmente
foi censurado para menores de 18
anos".
Em seu site na Internet, a UIP
passou a acolher reclamações sobre a "censura", recolhendo mais
de 450 comentários, muitos dos
quais com palavras de baixo calão. Nos EUA, a violência estilizada do filme de Burton recebeu da
associação de produtores a letra
"R" (menores de 17 requerem
acompanhamento de pai ou responsável), quarto grau de restrição entre cinco possíveis, por causa de "sangue, violência e horror
gráficos".
A coordenadora do Declas não
admite a palavra censura: "Fizeram essa nota arbitrariamente, e
se o cinema deixar entrar um menor em filme não-recomendado,
mesmo em companhia do pai, será multado, como aconteceu em
Porto Alegre", diz Myrna Fraga.
Autuação
Episódio semelhante deu-se
com a atriz Alessandra Negrini,
que participa da minissérie "A
Muralha" (Globo). Na semana
passada, ela foi autuada por um
juiz da 1ª Vara da Infância e Juventude, do Rio, por ter levado o
filho de três anos para ver "A Lenda do Cavaleiro Sem Cabeça".
Sob ameaça de perder a guarda
do filho, a atriz está apresentando
defesa, enquanto o cine Leblon 1,
na zona sul, também foi autuado.
Entre os produtores, Luiz Carlos Barreto, que está submetendo
ao Declas a comédia "Bossa Nova", identifica a nova orientação
como "tentativa de retomada da
censura". "Já vi esse filme: é uma
dessas recaídas fascistas frequentes no país. Caso se continue insistindo em tutelar os produtores e o
público, jamais se estabelecerá
aqui uma cultura democrática",
opina Barreto. "Vemos com perplexidade essa nova onda em relação a filmes com linguagem de
história em quadrinhos, feitos para adolescentes. É querer controlar o incontrolável", ecoa Bruno
Wainer, 39, diretor da distribuidora Lumière.
Os exibidores manifestam opinião semelhante, apreensivos
com "burocracias de fiscalização
cada vez mais difíceis de cumprir
e medidas legais que prejudicam
o funcionamento do mercado".
Segundo Alberto Bitteli, do Sindicato dos Exibidores do Estado de
São Paulo, "a partir dos anos 70,
as interferências foram tão frequentes que fecharam as portas
de milhares de cinemas. Hoje, há
no país cerca de 1.400 salas, incluindo as novas multiplex, contra 4.500 no início dos anos 70".
À parte a preocupação com o
"livre-arbítrio dos produtores e
pais", divisa-se questão mais palpável: as bilheterias milionárias
dos filmes destinados à criança e
ao adolescente.
O gênero está em alta em estúdios do mundo inteiro, com segmentações cada vez mais sofisticadas. No Brasil, estima-se quedas de arrecadação de até 50%
quando o selo "18 anos" prevalece.
"Livre"
Entre as produções mais recentes, o francês "Asterix e Obelixcontra César" ficou inicialmente
apenas "para maiores de 12", por
"situações ofensivas aos valores
éticos".
O distribuidor recorreu e ganhou, afinal, o selo "livre". Inicialmente liberado para maiores de
14, "Vivendo no Limite", de Scorsese, virou produto para 18 somente na segunda semana de exibição. A produção brasileira
"Hans Staden" será destinada a
maiores de 12, em parte por causa
da nudez de índios.
Na seara "circo do terror", a Lumière Filmes se preocupa com a
indicação que deve levar o norte-americano "Pânico 3". Os títulos
anteriores da série foram recomendados no país para maiores
de 14 anos, sendo que nos EUA
receberam código "R".
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