|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
GASTRONOMIA
Um literário sabor de assassinato
Colunista da Folha
Está causando furor nos meios gastronômicos americanos o livro "A
Taste of Murder"
(Um Gosto de Assassinato, de Jo Grassman e Robert Weibezahl), uma curiosa coletânea com mais de 130 receitas
fornecidas por autores contemporâneos de livros de mistério.
Há, entre eles, vários autores
publicados no Brasil -como Sue
Grafton ("A de Álibi"), John Lescroart ("Prova Material"), Richard Patterson ("Grau de Culpa"), Tony Hillerman ("Ladrões
do Tempo"). Entre as receitas
(que cada autor relaciona com
uma obra ou personagem), há vários interregnos bem-humorados, com instruções culinárias
cheias de trocadilhos.
Qual a relação entre culinária e
assassinato? A capa do livro dá
uma pista, com seu close de um
bolo de chocolate, um faca de chef
e gotas de uma calda vermelha...
O chocolate, um vício de muitos
gulosos, que seriam capazes de
morrer por uma dentada -ou
morrer de tanto comer. E a faca,
que vem a ser o segundo mais importante instrumento do cozinheiro (o primeiro é a mão), sendo também instrumento primordial do grande assassino. Pois, ao
contrário de balas disparadas à
distância ou de venenos que matam ao longe, o assassino completo mata com as próprias mãos,
nuas ou com a arma branca.
"No caso do meu personagem,
o delegado Espinosa, ele é o avesso de um Nero Wolfe, o clássico
detetive gourmet de Rex Stout",
diz Luiz Alfredo Garcia-Roza, autor dos romances policiais "O Silêncio da Chuva", "Achados e
Perdidos" e "Vento Sudoeste".
"Espinosa é um solitário, que vive
sozinho e come mal, uma comida
péssima, congelada."
Autor também de oito livros de
psicanálise e filosofia, ele não vê
relações diretas entre a comida e o
crime, mas lembra que comer é
assimilar um objeto por meio de
sua destruição. "Talvez os canibais levassem esse processo até o
fim, matando para comer. Quando o fazem, é para receber as qualidades do inimigo; comem porque é bom; jamais comeriam um
inimigo congelado."
Nem todo personagem de livros
de mistério é gourmet e nem todos os autores cozinham ou comem bem. Há gourmets como
Luis Fernando Verissimo (autor
de "Clube dos Anjos"), que comem muito, mas não entra na cozinha. "Não sei nem esquentar
água", diz, ao contrário de seu
personagem Lucidio, o exímio
cozinheiro que mata em série pela
boca.
"Existe uma convenção literária
que identifica personagens de romances policiais com a comida:
quanto mais sofisticado o policial
ou o criminoso, mais sofisticada
sua comida", diz Verissimo. Para
ele, quem leva às últimas consequências essa relação é o personagem do livro "Gula", de John Lanchester, no qual o assassino é um
esnobe e um cozinheiro.
Já Patrícia Melo ("Acqua Toffana", "O Matador" e "Elogio da
Mentira") adora cozinhar -ao
contrário de seus criminosos ficcionais, que não revelam pendores pela mesa nem pela cozinha.
"Mas, quando Nina Horta comentou "Acqua Toffana", observei
que a terminologia utilizada pelo
assassino pode ter muito a ver
com a culinária: cortar, furar, picar são verbos que podem ter um
grande conteúdo agressivo", diz
ela. "Percebi que uso mesmo muito essa terminologia; devo ter um
assassino interior", brinca.
Entre as referências de vários
autores, está o escritor espanhol
Manuel Vasquez Montalban, citado por Patrícia. Mais especificamente Pepe Carvalho, um detetive particular que, à mesa, poderia
lembrar um personagem brasileiro: o detetive Remo Bellini, dos livros de Tony Bellotto.
Guitarrista do grupo Titãs, Bellotto é autor de "Bellini e a Esfinge" e "Bellini e o Demônio". Pepe
Carvalho é pobre, não tem grande
sofisticação, mas gosta de comer
bem: não deixa de tomar um vinho branco razoável com uma
consistente sopa de peixe sempre
que a fome o assalta.
Como ele, o Bellini de Bellotto
não tem dinheiro para esbanjar,
mas, mesmo sem o estofo gastronômico de seu colega espanhol,
gosta de apreciar os acepipes que
encara, simples que sejam -como o sanduíche de salame com
provolone com um chope.
"Acho que existe na literatura
policial uma relação entre o assassinato e a comida. São temas essenciais e extremos da existência", diz Bellotto. "Também em
clássicos como Georges Simenon
há muitas referências à comida.
Elas dão sabor ao relato e tornam
os livros mais gostosos de ler."
(JOSIMAR MELO)
Livro: A Taste of Murder
Autores: Jo Grassman e Robert
Weibezahl
Editora: Dell Trade
Quanto: US$ 10,47 (262 págs)
Onde comprar: www.amazon.com
Texto Anterior: Netvox - Maria Ercilia: A Internet pula fora do computador Próximo Texto: Resenhas Índice
|