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DRAUZIO VARELLA
De gravata ou revólver na mão
Ao contrário do que imaginam os fumantes, cigarros
de baixos teores são mais nocivos
à saúde.
Na primeira metade do século
20, a indústria do fumo fez o possível e o inimaginável para impedir que a sociedade fosse informada dos malefícios do cigarro. Nos
anos 60, depois da publicação da
monografia "Fumo e Saúde", na
Inglaterra, e do relatório "Luther
Thierry, General Surgeon", nos
Estados Unidos, nos quais foram
reunidos mais de 30 mil estudos
que demonstravam ser o tabagismo a principal causa isolada de
mortes e doenças crônicas, a indústria houve por bem lançar o
chamado cigarro de baixos teores,
também batizado de "light", "ultralight" ou "low tar".
O bombardeio publicitário pela
TV e demais meios de comunicação sugeria aos incautos que as
marcas "light" representariam
uma forma segura de fumar: fumos com teores reduzidos de alcatrão e nicotina deveriam fazer
menos mal do que aqueles com
concentrações mais altas dessas
substâncias. Como conseqüência,
seu consumo virou moda; especialmente entre as mulheres, o alvo principal das campanhas para
expandir o mercado de dependentes.
Na verdade, tratava-se de uma
manobra criminosa: comparado
com os fumos mais fortes, o cigarro de baixos teores é um agravo
muito mais sério à saúde.
Para conquistar usuários do sexo feminino e facilitar para as
crianças a aceitação do sabor
aversivo da fumaça, a indústria
adiciona aos cigarros de baixos
teores compostos naturais e sintéticos com odores e gostos agradáveis, como o etilvalerato (maçã),
álcool fenílico (rosas), anetol
(aniz) e muitos outros. Muitos,
mesmo: são mais de 600 - segundo o Food and Drug Administration, dos Estados Unidos -,
que vêm somar-se aos 5.000 ou
6.000 normalmente presentes no
cigarro. A combustão de vários
desses aditivos dá origem a subprodutos hepatotóxicos ou cancerígenos.
A nicotina é uma droga que
exerce ação psicoativa ao ligar-se
a receptores existentes nos neurônios de diversas áreas cerebrais.
Quando esses receptores ficam
vazios o fumante entra em crise
de abstinência e acende o próximo cigarro. Ao dar a primeira a
tragada, a ansiedade desaparece
de imediato porque a droga vai
dos pulmões ao cérebro em apenas seis a dez segundos. Esse mecanismo é tão poderoso que o cérebro não deixa a critério do fumante a inalação da quantidade
de nicotina exigida pelos neurônios dependentes: são eles que
controlam a duração e a profundidade da tragada. Se a concentração da droga na fumaça é
mais baixa o cérebro ordena uma
tragada mais profunda e duradoura.
Ao aspirar com mais força, o ar
entra com maior velocidade e
queima proporcionalmente mais
tabaco do que o papel das laterais, aumentando o conteúdo de
nicotina na fumaça e provocando
alterações químicas que a tornam
mais facilmente absorvida nos alvéolos pulmonares.
Por essas razões, até hoje nenhum estudo demonstrou que fumantes de cigarros "light" apresentem menos doenças cardiovasculares, respiratórias ou câncer.
Pelo contrário, alguns trabalhos
mostram incidência mais alta de
ataques cardíacos e de doenças
respiratórias.
Faço essas observações, leitor,
para comentar um trabalho publicado na revista médica "The
Lancet" por três autores canadenses que tiveram acesso aos documentos dos estudos sobre os efeitos do cigarro, conduzidos secretamente pela multinacional British American Tobacco (controladora da Souza Cruz, no Brasil) no
período de 1972 a 1994, agora tornados públicos depois de longa
batalha judicial vencida pelas autoridades norte-americanas.
Os exames para analisar cigarros são regulamentados por uma
organização internacional (ISO).
O teste padrão é feito por meio de
uma máquina de fumar que uma
vez por minuto, dá uma tragada
de dois segundos de duração, na
qual são inalados 35 mililitros de
fumaça para análise. Ocorre que
os pesquisadores da companhia
descobriram que o fumante médio é mais ávido: dá duas tragadas por minuto, nas quais inala
50 a 70 mililitros de cada vez.
Na documentação, os autores
canadenses verificaram que a
multinacional não estava simplesmente interessada nos hábitos dos fumantes, procurava usar
esse conhecimento para desenvolver um cigarro que obedecesse às
normas legais de acordo com as
análises efetuadas pelas máquinas de fumar, enquanto aumentava o conteúdo de nicotina a ser
absorvido pelos pulmões fumantes, como evidencia um documento interno datado de 1983: "O desafio é reduzir o conteúdo de nicotina determinado pelas medidas das máquinas, e ao mesmo
tempo aumentar a quantidade
realmente absorvida pelo fumante".
Outra diretriz interna propunha: "O ideal é que os cigarros de
baixos teores não pareçam diferentes dos normais ... Eles devem
ser capazes de liberar 100% mais
de nicotina do que o fazem nas
máquinas de fumar". Em 1978,
enquanto a publicidade milionária exaltava as virtudes das marcas "light", um dos médicos contratados pela empresa advertia,
em sigilo: "Talvez a variável mais
importante para caracterizar o
risco à saúde seja a duração do
contato com a fumaça inalada. Se
assim for, a fumaça inalada profundamente através dos cigarros
de baixos teores deve ser mais
prejudicial".
Moral da história: de terno e
gravata ou revólver na mão, vendedores de drogas são indivíduos
dispostos a cometer qualquer crime para ganhar dinheiro.
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