São Paulo, domingo, 18 de fevereiro de 2007

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Plástica divide diretores e atrizes

Muitos criticam as pressões para "plastificar" o rosto, mas há quem defenda o bisturi, como a veterana Tônia Carrero

Nomes como Norma Bengell, Beatriz Tragtemberg e Laura Cardoso rejeitam operações e apostam em "beleza atemporal"

Lenise Pinheiro/Folha Imagem
LAURA CARDOSO, 79, NUNCA FEZ PLÁSTICAS (E NEM PRETENDE) Atriz superativa, que fez recentemente três filmes, diz que desconhece "isso de não ter trabalho porque não fez plástica"; ela completa: "Eu gosto da minha cara, com as rugas que tem, e do meu corpo. É comovente acumular marcas, é bonito"

LENISE PINHEIRO
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA

SYLVIA COLOMBO
DA REPORTAGEM LOCAL

Para o diretor de teatro Rodolfo García Vázquez, do grupo Satyros, as atrizes são como dois tipos de flor: as de plástico e as naturais. As de plástico, diz, têm todas o mesmo aspecto, são industrializadas e carregam "uma certa beleza brega, até serem queimadas e destruídas".
Por outro lado, as naturais registrariam o tempo, seriam sensíveis ao vento e à umidade, transpirariam vida. "Ter uma atriz que fez plástica em um espetáculo meu seria como dar uma flor artificial a uma pessoa que eu amasse. Isso nem passa pela minha cabeça", conclui.
Se Vázquez é da turma dos radicais, a questão sobre manter ou não as rugas é uma constante entre atrizes e diretores de teatro e cinema. Há quem defenda a cirurgia, como a veterana atriz Tônia Carrero. E há quem acredite que os traços da passagem dos anos podem dar mais credibilidade aos papéis.
A maioria, entretanto, concorda num ponto. A TV e sua "estética de elite", segundo Eduardo Tolentino (grupo Tapa), é a grande responsável por forçar as atrizes mais velhas a tentar parecer mais jovens.
"Quando encontro uma ruga, aproveito a oportunidade e jogo mesmo o foco nela", conta a cineasta Laís Bodansky, que estréia em agosto seu filme "Chega de Saudade", ambientado num baile da terceira idade. Bodansky acha que as rugas ajudam a dar legitimidade às personagens mais idosas.

Beleza atemporal
Mantê-las ou não ainda é uma opção bastante pessoal. Norma Bengell, 71, aposta na sua beleza atemporal. "Nunca fiz plástica, porque sempre quis ver a vida passar pelo meu rosto", diz a atriz. E isso faz diferença? "Sim. A TV, por exemplo, pára de chamar você."
O diretor Márcio Aurélio conta que teve dificuldades para encontrar uma atriz mais velha para protagonizar "Digníssimo Filho da Mãe", de Leilah Assumpção. Hoje, diz ele, as atrizes com mais de 70 querem fazer papel de 40, "aí fazem um monte de plástica e ficam com a cara toda torta, desfiguram a si mesmas e aos personagens".
José Celso Martinez Corrêa também condena o exagero da plástica. "Quando as atrizes fazem isso demais, perdem a vibração, o "star appeal", viram uma coisa morta, a gente até leva um susto quando olha pra cara delas", diz.
Beatriz Tragtemberg, 71, outra "invicta", ataca o que considera "abusos" do mercado. "Sei de diretores que ligam para as atrizes e, antes de falar "Bom dia", perguntam: "Você está bonita?"." Tragtemberg fala da vontade de deixar os "traços do tempo" brotarem. "Acho bonito. Temos de ficar bem por uma questão de saúde, não para obedecer ao mercado."

Pressão do mercado
Miriam Mehler, 71, que está em "Chega de Saudade", fez plástica nos olhos há 12 anos. Depois, não se importou mais. "Quero aparentar minha idade, mas o mercado quer a gente com menos rugas. Se não está bonitinha, não entra."
Convocada por Bodansky, Conceição Senna nunca fez nenhuma intervenção e acha que o mercado deve ser menos exigente, pois corre o risco de os personagens perderem credibilidade. Senna diz que vive resistindo a pedidos de amigos e familiares: "Me dizem que tenho que tirar a papada, puxar aqui ou ali. Não me interesso. Na minha cara está a história da minha vida. Isso não tem preço".
Para Maria Della Costa, 80, que já fez plástica nos olhos "há muito tempo", as pessoas em geral, não só a mídia ou o mercado, andam se preocupando com a idade dos outros. "É a primeira pergunta que se faz quando se chega a algum lugar novo." Vivendo em Paraty e longe dos palcos, Costa conta como sua época era diferente.
"Não tinha silicone nem botox, então ninguém se importava. Como eu era muito bonita, minha preocupação era fazer personagens diferentes a toda hora, mais velhos ou mais novos, para provar que também era boa atriz. Era com isso que eu me importava", diz.
Veterana da TV, Laura Cardoso, 79, nunca fez plástica nem pretende fazer. "A plástica deforma as pessoas, as caras ficam sem expressão." Superativa, acaba de fazer três filmes ("Muito Gelo e Dois Dedos d'Água"; "Fica Comigo Esta Noite" e "A Casa da Mãe Joana"). "Não conheço isso de não ter trabalho porque não fez plástica. Eu não paro de trabalhar, para mim valem o talento e a qualidade do papel."
"Uma boa atriz pode representar um personagem muito mais velho ou muito mais novo. E eu gosto da minha cara, com as rugas que tem, e do meu corpo como ele é. As rugas mostram a vida que eu tenho e a vida que vou ter. É comovente acumular marcas, é bonito, a gente vê o que aconteceu com a gente, a vida que passou."


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