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FERREIRA GULLAR
O bandido como vítima
O argumento de que é a pobreza a causa da criminalidade do país faz de nós culpados
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O ASSASSINATO brutal do menino João, de seis anos, arrastado fora de um carro roubado ao longo de sete quilômetros,
provocou naturalmente o horror e a
revolta da população, que não tolera
mais a inoperância da polícia e a
complacência das leis. Um dos assassinos é de menor idade e a máxima punição a que está sujeito, graças
ao Estatuto da Criança e do Adolescente, será a internação por três
anos numa instituição reeducativa.
Esse crime bárbaro reavivou a discussão sobre a necessidade de reduzir-se ou não o limite da responsabilidade penal, que é hoje de 18 anos.
Os argumentos prós e contra, já
bastante conhecidos, mereceriam
talvez ser analisados com isenção. O
mais comum deles, que parece refletir necessária sensatez, aconselha
que, num momento de grande emoção como este, não se deve mexer na
lei. Há quem alegue, porém, que, se
se deixa passar o momento, em breve ninguém tocará mais no assunto,
até que um novo crime bárbaro provoque a reação popular e de novo se
diga que a revolta é má conselheira.
A tese básica em que se apóia o estatuto é de que a criminalidade do
menor decorre das péssimas condições sociais em que vive a maioria
deles. O menor se tornaria criminoso porque lhe faltam educação e
meios para se integrar na vida normal. Se essas condições e esses
meios lhe forem dados, ele não se
tornará criminoso. Há uma parte de
verdade nisso, mas não toda. Será
mesmo que a causa única da criminalidade é a pobreza? Tenho minhas
dúvidas, e sabem por quê? Faço a seguinte reflexão: calcula-se que o número de pobres existentes no Brasil
chegue perto de 50 milhões, e não
há, nem de longe, 50 milhões de criminosos no país.
A população carcerária -incluindo todo tipo de criminosos, até mesmo quem rouba uma caixinha de
manteiga no supermercado- está
por volta de 300 a 350 mil presos, isto é, menos de 1% dos pobres se envolve em crimes, isso se considerarmos que toda a população carcerária
é constituída de pobres. E como explicar que pessoas ricas ou que recebem altos salários, como juízes, deputados e senadores roubem? Não
passam fome, têm curso superior,
vivem em mansões de luxo e, ainda
assim, roubam. Por quê?
Gostaria que alguém me explicasse esse fenômeno. Sugiro que essa
gente, que tanto combate preconceitos, combata mais este: o de considerar que todo pobre é potencialmente um criminoso. Ou seja: rico
não mata nem rouba.... fala sério!
Certamente, não estou querendo
dizer que é ótimo ser pobre e que é
bom não ter acesso à educação. A
pobreza é uma vergonha, especialmente num país como o nosso, onde
a desigualdade social atinge índices
escandalosos, para não dizer criminosos. É porque ela é injusta e indigna que devemos combatê-la, e não
porque produza bandidos.
Mas todos sabemos que não será
num passe de mágica que se extirpará a pobreza da sociedade brasileira.
Devemos, então, nos conformar
com a criminalidade crescente até
chegarmos à sociedade justa? E por
acaso não há criminosos em sociedades menos desiguais que a nossa?
O argumento de que é a pobreza a
causa da criminalidade faz do criminoso, vítima, e de nós todos, culpados. Daí o porquê de as leis serem
complacentes e o autor de crime hediondo, tendo direito à progressão
da pena, ser posto em liberdade para
voltar a traficar, matar e roubar, como se vê freqüentemente.
Tenho certeza de que os defensores da atual legislação penal brasileira nos aconselharão a não confundir
o direito de punir com o desejo de
vingança, que é um sentimento desprezível. Esse argumento põe em situação indefensável os que não se
conformam com a impunidade.
Quando se fala, como agora, em alterar o Estatuto da Criança e do
Adolescente, alega-se que o agravamento das penas não reduz a criminalidade, o que é verdade. Mas tampouco mantê-lo brando, como é, a
tem reduzido, uma vez que, para o
desespero de todos nós, ela aumenta
e se agrava a cada dia. É que o problema está mal posto: a criminalidade, como se sabe, é uma questão
complexa, resultante de muitas causas, que vão desde as educacionais e
patológicas até as econômicas e éticas e, por isso mesmo, demanda
muita determinação dos governantes, coragem para efetivamente reduzi-la e, sobretudo, muito tempo.
À parte isso, deve-se compreender
que, se a punição mantiver, por
maior tempo possível, o criminoso
afastado do convívio social, estará,
pelo menos, preservando a tranqüilidade e a segurança dos cidadãos, o
que não exclui o esforço de reeducação. A sensatez aconselha fazer o
que é possível, de imediato.
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