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OPINIÃO
Esterco, go home!
MARCOS AUGUSTO GONÇALVES
EDITOR DE OPINIÃO
Não há dúvida de que a indústria cultural desempenhou
seu papel na ascensão dos Estados Unidos a potência mundial
durante o século 20. Cinema,
música, história em quadrinhos, pipoca e hambúrguer
também foram artífices da "hegemonia" norte-americana.
Mas, se é tolice tentar negar a
existência de laços entre cultura e poder, aproxima-se da burrice traduzir essa relação nos
termos estreitos e datados do
esquerdismo latino-americano, esquemático e antiamericanista, ainda professado, ao que
parece, pelo assessor presidencial Marco Aurélio Garcia.
No discurso do sábio palaciano não há lugar para dialética e
sutilezas. Tudo se move segundo o maniqueísmo pueril e ao
mesmo tempo brutal do marxismo vulgar.
O culpado pelo atraso histórico do continente é o êxito dos
americanos. O mal é o imperialismo ianque, que exerce sobre
nós seu "processo de dominação". Algo assim: Rambo enfia o
cano de sua metralhadora na
orelha do Jeca Tatu e o obriga a
dançar um rock.
O que emerge da conversa de
Garcia é uma concepção estanque de culturas nacionais, que
deveriam ser protegidas por
muralhas para não se deixarem
conspurcar pelo esterco alheio.
Esterco, go home!
Parece não ocorrer ao nosso
Policarpo Quaresma do Planalto que a cultura norte-americana, aliás de maneira análoga à
brasileira, é em grande medida
caudatária da europeia e forjou-se num complexo e rico
processo de interação e entrechoques de nacionalidades e etnias -no qual, aliás, teve relevância a contribuição africana.
Sem os negros não haveria o
jazz, aquela música perigosa
que Hollywood adotou e ajudou a difundir pelo mundo.
E o que fez o jazz em seu
"processo de dominação" sobre
a cultura brasileira? Acabou
com o nosso glorioso samba?
Ora, Pixinguinha já era jazz. E a
bossa nova, que terminou virando marca e orgulho nacional, não existiria sem a dialética
do samba com o esterco jazzístico ianque. Oswald de Andrade, que também teve seu sarampo stalinista, já havia apontado: não precisamos ter medo,
não somos indefesos, somos
antropófagos.
Mas talvez Garcia, lembrando Sebá, o último exilado brasileiro (tipo criado em outros
tempos por Jô Soares), ainda
considere Tom Jobim e João
Gilberto agentes infiltrados da
CIA que queriam sabotar nossa
autêntica música popular.
O problema das ideias expostas pelo professor é que, estando ele no poder e raciocinando
como homem de Estado, indicam a hipótese sombria do autoritarismo. Não apenas ao modo tragicômico de Hugo Chávez, mas ainda pior. Ou como
deveríamos entender a saudosa
menção aos valores do finado
socialismo real?
Concordaria o ilustre conselheiro, por exemplo, com o governo chinês, que exerce censura até sobre a internet? Aliás,
por que Garcia está tão preocupado com a restrita TV a cabo?
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