São Paulo, quinta-feira, 18 de fevereiro de 2010

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OPINIÃO

Esterco, go home!

MARCOS AUGUSTO GONÇALVES
EDITOR DE OPINIÃO

Não há dúvida de que a indústria cultural desempenhou seu papel na ascensão dos Estados Unidos a potência mundial durante o século 20. Cinema, música, história em quadrinhos, pipoca e hambúrguer também foram artífices da "hegemonia" norte-americana.
Mas, se é tolice tentar negar a existência de laços entre cultura e poder, aproxima-se da burrice traduzir essa relação nos termos estreitos e datados do esquerdismo latino-americano, esquemático e antiamericanista, ainda professado, ao que parece, pelo assessor presidencial Marco Aurélio Garcia.
No discurso do sábio palaciano não há lugar para dialética e sutilezas. Tudo se move segundo o maniqueísmo pueril e ao mesmo tempo brutal do marxismo vulgar.
O culpado pelo atraso histórico do continente é o êxito dos americanos. O mal é o imperialismo ianque, que exerce sobre nós seu "processo de dominação". Algo assim: Rambo enfia o cano de sua metralhadora na orelha do Jeca Tatu e o obriga a dançar um rock.
O que emerge da conversa de Garcia é uma concepção estanque de culturas nacionais, que deveriam ser protegidas por muralhas para não se deixarem conspurcar pelo esterco alheio. Esterco, go home!
Parece não ocorrer ao nosso Policarpo Quaresma do Planalto que a cultura norte-americana, aliás de maneira análoga à brasileira, é em grande medida caudatária da europeia e forjou-se num complexo e rico processo de interação e entrechoques de nacionalidades e etnias -no qual, aliás, teve relevância a contribuição africana.
Sem os negros não haveria o jazz, aquela música perigosa que Hollywood adotou e ajudou a difundir pelo mundo.
E o que fez o jazz em seu "processo de dominação" sobre a cultura brasileira? Acabou com o nosso glorioso samba? Ora, Pixinguinha já era jazz. E a bossa nova, que terminou virando marca e orgulho nacional, não existiria sem a dialética do samba com o esterco jazzístico ianque. Oswald de Andrade, que também teve seu sarampo stalinista, já havia apontado: não precisamos ter medo, não somos indefesos, somos antropófagos.
Mas talvez Garcia, lembrando Sebá, o último exilado brasileiro (tipo criado em outros tempos por Jô Soares), ainda considere Tom Jobim e João Gilberto agentes infiltrados da CIA que queriam sabotar nossa autêntica música popular.
O problema das ideias expostas pelo professor é que, estando ele no poder e raciocinando como homem de Estado, indicam a hipótese sombria do autoritarismo. Não apenas ao modo tragicômico de Hugo Chávez, mas ainda pior. Ou como deveríamos entender a saudosa menção aos valores do finado socialismo real?
Concordaria o ilustre conselheiro, por exemplo, com o governo chinês, que exerce censura até sobre a internet? Aliás, por que Garcia está tão preocupado com a restrita TV a cabo?


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