São Paulo, sexta-feira, 18 de fevereiro de 2011

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SP recebe olhar geométrico de Ródtchenko

Primeira retrospectiva do artista russo no país, a partir de amanhã, mostra como sua obra transformou a fotografia

Ele abusou de ângulos tortos e inusitados e inventou retratos que juntam vários instantes em uma única imagem
SILAS MARTÍ
DE SÃO PAULO

Foi no sótão de um teatro que Aleksandr Ródtchenko nasceu. Descia uma escada íngreme e dava direto no palco. "Vi minha primeira paisagem ali", lembra o artista russo. "A vida do teatro era a vida verdadeira, e o que estava lá fora -eu não tinha ideia."
Ródtchenko começou moldando paisagens com flores artificiais que seu pai montava para os cenários das peças. Depois foi depurando sua estética até começar a fotografar e provocar a maior revolução na imagem capturada já vista até hoje.
Quando passou a ter alguma ideia do que se passava lá fora, alargou os horizontes do teatro onde nasceu para o palco da Rússia às voltas com a revolução iniciada em 1917.
Entendeu que a nova ordem política pedia outra ordem estética e deixou um receituário para retratar a vida na crueza de seus ângulos. Mais de 50 anos depois que fez sua última fotografia, essas manobras da objetiva, o rigor obsessivo e a métrica de uma poética visual que forjou a fotografia moderna estão juntas na retrospectiva com 170 de suas obras que a Pinacoteca do Estado abre amanhã em São Paulo.
"A arte do futuro não será a agradável decoração de apartamentos", escreveu o artista morto em 1956. "Até agora não percebemos este fato chamado vida, que só necessitaria ser organizado e depurado de ornamentos."
Já sem as flores do palco, Ródtchenko encarava o teatro da vida real, em desfiles cívicos, retratos de amigos e parentes, cartazes e fotomontagens, com forte rigor geométrico. Desafiava o olhar duro, o ponto de vista único, com sobreposições de imagens, a violação do negativo, e enquadramentos curtos, de baixo para cima.
"Quero fazer fotos incríveis, nunca feitas, da própria vida, reais", escreveu. "Fotos simples e complexas ao mesmo tempo, que espantarão e arrebatarão as pessoas."
Num de seus retratos mais célebres, enquadra a própria mãe com uma lente no olho se esforçando para ler -só muito velha é que começou a entender a palavra escrita.
Seu livro some e o rosto e os óculos ocupam todo o plano, num prelúdio à reinvenção do olhar que Ródtchenko começava então a montar. Também não deixa de encarnar ali certa vontade de desestruturar a ordem, um paralelo entre a leitura tardia da mãe, a Rússia em convulsão, e uma releitura da forma propalada pela fotografia.

CRISTALIZAR O HOMEM
Emprestou seus experimentos visuais para dar cara e carne aos versos de Vladimir Maiakóvski, poeta que retratou noutra de suas séries mais emblemáticas.
Ele rodeia seu retratado com a câmera, que surge em múltiplos ângulos, lápis no bolso e cigarro na boca. "Cristalize o homem não pelo retrato "sintético" mas de vários instantâneos em momentos e condições diferentes", escreveu. "Preze tudo que é real e contemporâneo."
E para essa realidade contemporânea, motor também dos filmes de Dziga Vértov e Sergei Eisenstein, ele olhou com os ângulos tortos do cinema. Uma escada vista de baixo destrói a perspectiva do quadro. De lado, ganha a textura contrastada que embala os passos de uma moça.
Sua "Moça com Leica", fotografada com a câmera deitada e alvejada de pontos de luz que atravessam a penumbra, também se transforma em imagem com pele. É o real transfigurado pelo olhar atento, aquilo de arrebatar e espantar que ele queria.

ALEKSANDR RÓDTCHENKO

QUANDO abertura amanhã, às 11h30; de ter. a dom., das 10h às 17h30; até 1º/5
ONDE Pinacoteca do Estado de São Paulo (pça. da Luz, 2, tel. 0/xx/ 11/3324-1000)
QUANTO R$ 6 (grátis sáb.)


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