São Paulo, Quinta-feira, 18 de Fevereiro de 1999
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TEATRO
Para comemorar seu centenário, reestréia em abril no Rio o maior sucesso do ator, dirigido por sua filha Bibi Ferreira
Nova 'Deus lhe Pague' para o velho Procópio

NELSON DE SÁ
da Reportagem Local

Demorou, mas já tem data o início das comemorações dos 100 anos do ator Procópio Ferreira (1898-1979). O centenário foi em 8 de julho de 98, mas a estréia da remontagem de "Deus lhe Pague", seu maior sucesso, é dia 7 de abril, no teatro Villa-Lobos, no Rio.
O Mendigo, que Procópio interpretou durante quase quatro décadas, será feito -se as negociações caminharem bem- por Chico Anysio. A direção é de uma das filhas de Procópio, a atriz Bibi Ferreira, que encabeça o extenso programa de homenagens.
Os patrocinadores também estão definidos: Telefônica, que retoma o investimento que a Telesp fazia regularmente em teatro, e Eletrobrás. A peça estréia em São Paulo no dia 2 de junho, no teatro Sérgio Cardoso, também para curta temporada de dois meses, e parte depois em turnê pelo país.
Além de Procópio, a remontagem de "Deus lhe Pague", peça que estreou sua primeira produção em 30 de dezembro de 32 e teria sido representada pelo ator mais de 3.000 vezes, homenageia o autor Joracy Camargo, também nascido em 1898, em 18 de outubro.
Camargo, que vinha da companhia modernista de Álvaro Moreyra, o Teatro de Brinquedo, teve seus grandes êxitos comerciais representados por Procópio, como "Anastácio" (36). Escreveu "Deus lhe Pague" especialmente para o ator, de quem era amigo.
As apresentações da remontagem serão precedidas por breve documentário sobre o ator, o autor e o ano de 32. A nova encenação, cujo projeto inicial previa reproduzir estritamente a original, será atualizada, inclusive no texto.
Para a decisão, a produção se apóia nas próprias remontagens finais de Procópio, como em 68, quando modernizou o mais possível a linguagem do texto. Foi Procópio, por sinal, quem deu o título definitivo à peça, que em seu início de temporada, em 32, era intitulada "Deus lhe Favoreça".
A diretora Bibi Ferreira prevê também recuperar alguns dos lendários "cacos" (improvisações) acrescentados pelo protagonista ao longo das inúmeras remontagens de "Deus lhe Pague".

Biografia
Além de "Deus lhe Pague", as homenagens passam pelo lançamento, em outubro, de três livros. Um deles é a reedição pela Funarte de "O Ator Vasques", que Procópio escreveu em 39 sobre o ator cômico Francisco Correia Vasques (1839-1892), que considerava superior ao trágico João Caetano, no teatro carioca do século 19.
Dois lançamentos são inéditos. "Depoimentos para o Teatro Brasileiro", que Bibi Ferreira reencontrou entre objetos pessoais deixados por Procópio, traz textos escritos pelo ator no final da vida, sobre sua carreira, família e o teatro brasileiro, incluindo experiências e várias passagens curiosas.
A biografia "Procópio Ferreira, o Atleta da Palavra" (ed. Record), de Jalusa Barcellos, é o trabalho mais aguardado. Atriz e jornalista, ela descreve em detalhes momentos como o do convite do ator francês Louis Jouvet a Procópio, para que este representasse a seu lado o "Don Juan" de Molière, em Paris, no papel de Sganarelo.
Também retrata o final da vida de Procópio. "É quando tentam rotulá-lo como ator superado, que reage à figura do diretor", diz a autora. "Mas ele precisava trabalhar e procurou se ajustar. Vai até o fim da vida trabalhando. Fez 467 ou 462 peças e jamais recebeu um prêmio em teatro. O único prêmio foi pelo último filme que ele fez."
Ela se refere a "Em Família", um dos 14 filmes em que Procópio atuou e que estão sendo reunidos, para mostras que acompanhariam as apresentações de "Deus Lhe Pague". As homenagens incluiriam ainda uma exposição de fotos.

São Procópio
O carioca João Álvaro de Jesus Quental Ferreira, que adotou ao iniciar a carreira de ator o nome Procópio em função de seu nascimento no dia de São Procópio, era filho de portugueses. Estreou no palco no dia 22 de março de 1917, na peça "Amigo, Mulher e Marido", de Flers e Caillavet, no teatro Carlos Gomes, no Rio.
Atuou em diversas companhias de teatro musical e melodrama, até alcançar maior destaque aos 21 anos, no papel de Zé Fogueteiro, em "Juriti", peça de Viriato Correa musicada por Chiquinha Gonzaga. Ao longo das décadas seguintes, dividiu com Jaime Costa, Itália Fausta e Dulcina, entre outros, o cenário de companhias dominadas por grandes atores.
Encenou novos autores brasileiros como Armando Gonzaga ("Cala a Boca, Etelvina"), Oduvaldo Vianna ("Feitiço"), Raimundo Magalhães Jr. ("Essa Mulher É Minha"), Guilherme Figueiredo ("A Raposa e as Uvas"), Pedro Bloch ("Essa Noite Choveu Prata"), além de clássicos como Martins Pena ("O Juiz de Paz na Roça") e Artur Azevedo ("A Capital Federal").
Entre os textos estrangeiros, privilegiou montagens de Molière, como "O Avarento", "Georges Dandin", "O Burguês Fidalgo", "A Escola de Maridos" e "O Médico à Força", mas encenou outros clássicos, como "La Locandiera", de Goldoni, traduzido como "O Inimigo das Mulheres", espetáculo que lançou Bibi Ferreira.
Com a criação de companhias como Os Comediantes e depois o TBC, no fim dos anos 40, passou a ser muito questionado por críticos como Álvaro Lins e Décio de Almeida Prado, por privilegiar a comédia de costumes e desrespeitar textos, perdendo pouco a pouco o posto de maior ator brasileiro.


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