|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
CRÍTICA
"Glória" exibe o excesso de Denise Fraga
XICO SÁ
CRÍTICO DA FOLHA
Declaradamente inspirado em "Zelig", filme de
Woody Allen de 1983, o novo
quadro de Denise Fraga, "Dias de
Glória", estreou anteontem no
"Fantástico". A atriz fez vingar no
mesmo programa o seu "Retrato
Falado", que contava histórias do
cotidiano dos telespectadores.
O novo formato, com enxertos
de vida real à custa de imagens de
noticiário, é encoberto pela atuação de Denise, sempre ela mesma,
onde estiver, na pele de que personagem encarnar. Nem mesmo
o abusado diálogo com os telejornais da emissora -brincadeirinha bacana- é capaz de mostrar ao camarada do sofá que Denise
está de quadro novo. Denise é Denise demais.
E esse vício faz bem na TV, chiclete da eterna repetição. A atriz
firmou a sua estabilidade cômica
graças a muito trabalho e competência. O seu personagem de agora -uma solteira aflita, desempregada e com a caricatura do jeitinho brasileiro rubricada nas feições- vai carecer de muito suor
para mostrar que é diferente das
outras tantas brasileiras ditas comuns que a atriz representou no
quadro anterior.
"Dias de Glória" tem direção e
time de roteiristas de primeira linha. Eles podem muito bem, aos
poucos, subtrair um naco de Denise Fraga e botar o esquema Zelig, camaleônico que muda de personalidade a cada situação e
clima, para funcionar.
No primeiro episódio, a atriz
começou a peleja tentando matar
uma barata -temor feminino
que tem lugar especial no dicionário Freud. Depois vai procurar
emprego. Poça na parada de ônibus. Uma patricinha aplica-lhe
um banho com o carro. Conflito.
Por mais que fique óbvio que as
duas irão se encontrar logo adiante, a história é boa. Disputariam o
mesmo emprego. Achei que a
moça que banha seria a patroa
que vetaria Denise. Ótimo.
No final, depois de flertar com a
tragédia brasileira da violência,
Glória, quer dizer, Denise, está
chamando Bush ao telefone. A
crônica da guerra em tempo real.
Corta para William Bonner. E o
eterno retorno da barata na vida
das mulheres. Depois de tanto rogar pela paz, Denise evita matar a
medonha.
A barata, esse invertebrado que
já ajudou gente como Kafka e Clarice Lispector nas suas genialidades, deu sua mãozinha na vida
besta da TV. Violência urbana e a
guerra de Bush são épicos sem
graça diante do temor caseiro.
Mais barata e menos realidade. É
disso que o domingão precisa.
Dias de Glória
Quando: domingo, durante o "Fantástico" (Globo, 20h30)
Texto Anterior: Cinema: Litoral reinterpreta identidade do continente na tela Próximo Texto: Bernardo Carvalho: A infância do mundo Índice
|