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São Paulo, terça-feira, 18 de março de 2003

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CRÍTICA

"Glória" exibe o excesso de Denise Fraga

XICO SÁ
CRÍTICO DA FOLHA

Declaradamente inspirado em "Zelig", filme de Woody Allen de 1983, o novo quadro de Denise Fraga, "Dias de Glória", estreou anteontem no "Fantástico". A atriz fez vingar no mesmo programa o seu "Retrato Falado", que contava histórias do cotidiano dos telespectadores.
O novo formato, com enxertos de vida real à custa de imagens de noticiário, é encoberto pela atuação de Denise, sempre ela mesma, onde estiver, na pele de que personagem encarnar. Nem mesmo o abusado diálogo com os telejornais da emissora -brincadeirinha bacana- é capaz de mostrar ao camarada do sofá que Denise está de quadro novo. Denise é Denise demais.
E esse vício faz bem na TV, chiclete da eterna repetição. A atriz firmou a sua estabilidade cômica graças a muito trabalho e competência. O seu personagem de agora -uma solteira aflita, desempregada e com a caricatura do jeitinho brasileiro rubricada nas feições- vai carecer de muito suor para mostrar que é diferente das outras tantas brasileiras ditas comuns que a atriz representou no quadro anterior.
"Dias de Glória" tem direção e time de roteiristas de primeira linha. Eles podem muito bem, aos poucos, subtrair um naco de Denise Fraga e botar o esquema Zelig, camaleônico que muda de personalidade a cada situação e clima, para funcionar.
No primeiro episódio, a atriz começou a peleja tentando matar uma barata -temor feminino que tem lugar especial no dicionário Freud. Depois vai procurar emprego. Poça na parada de ônibus. Uma patricinha aplica-lhe um banho com o carro. Conflito. Por mais que fique óbvio que as duas irão se encontrar logo adiante, a história é boa. Disputariam o mesmo emprego. Achei que a moça que banha seria a patroa que vetaria Denise. Ótimo.
No final, depois de flertar com a tragédia brasileira da violência, Glória, quer dizer, Denise, está chamando Bush ao telefone. A crônica da guerra em tempo real. Corta para William Bonner. E o eterno retorno da barata na vida das mulheres. Depois de tanto rogar pela paz, Denise evita matar a medonha.
A barata, esse invertebrado que já ajudou gente como Kafka e Clarice Lispector nas suas genialidades, deu sua mãozinha na vida besta da TV. Violência urbana e a guerra de Bush são épicos sem graça diante do temor caseiro. Mais barata e menos realidade. É disso que o domingão precisa.


Dias de Glória  
Quando: domingo, durante o "Fantástico" (Globo, 20h30)



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