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GASTRONOMIA
Bendita farinha que solta a língua!
NINA HORTA
COLUNISTA DA FOLHA
As escolas públicas estão
cheias de projetos dedicados
à alimentação e agora percebo
que as particulares também. Descobriram a comida como muito
importante! Ainda bem.
Chegou às minhas mãos um
trabalho feito no supletivo do colégio Santa Cruz, em São Paulo,
com alunos de idade média de 21
anos (na série equivalente à sexta
e sétima do ensino fundamental)
no qual a professora usou o tema
alimentação e suas memórias afetivas como foco de interesse, para
estimulá-los a escrever com naturalidade e fluência, sabendo do
poder sensorial da comida de infância. E também para relembrar
as raízes e fixá-las, pois sente que
se acostumam com os hábitos de
São Paulo muito depressa. Registrou tudo num folheto.
Editei com selvageria, como se a
lembrança de todos eles fosse a de
um só, para caber no espaço desta
coluna.
"Comida boa, também, era
quando minha mãe ganhava neném. Era um pirão de galinha caipira bem gostoso. Quem fazia era
meu pai, mas ele fazia com tanto
capricho que de longe se podia
sentir o cheiro daquela comida.
Quando ficava pronto o pai me
mandava levar a comida no quarto para a mãe. E ele já deixava a
minha parte na panela. Eu voltava
correndo para a cozinha e meu
pai colocava um pouco de arroz
naquela panela com o final do pirão. Eu pegava a panela e ia para o
quarto fazer companhia para minha mãe. Não podia sentar na cama dela e ficava no chão, perto
dos pés da cama.
Bom também era carne-de-sol
assada na brasa e piabinhas que
eu mesmo pescava no córrego. E
salada de folhas de couve crua,
com arroz e feijão. Minha mãe fazia cortado de abóbora com quiabo e carne de sol picada em pedacinhos e minha avó, biju de tapioca com coco moído; e ficava delicioso, puro ou com margarina e
café.
Eu comia de tudo, até manga
verde com sal ou açúcar. Ou leite
com farinha de milho. A mãe levantava de manhã e tirava o leite
da cabra, depois coava num pano
e fervia numa panela. Com farinha bem torradinha e um pedaço
de rapadura! Hum!
Prato bom era caranguejo servido com arroz e feijão com leite
com farinha adoçado, do lado. E
eu gostava quando o caranguejo
tinha ova. Era uma delícia.
O prato mais delicioso ... virado
de banana com queijo! Lembro-me que meu pai adorava. Mas tinha que ser com bastante queijo!
Receita: oito bananas nanicas,
bem maduras, três ovos, 1 « xícara
de açúcar, « quilo de queijo meia
cura, três copos de farinha de milho e uma pitada de sal. Primeiro
colocava uma colher de óleo na
panela, depois as bananas e os
ovos; mexia, juntava a farinha,
mexia, até misturar tudo. Em seguida, os pedaços de queijo picado e, por último, o açúcar. Mexia
tudo até o queijo derreter e desgrudar um pouco da panela. Servia ainda um pouco quente.
O que me lembro do bolo de milho é que ela colocava milho no
pilão e socava com a mão do pilão
até que se tornasse fubá. Passava
pela peneira várias vezes até obter
um fubá bem fino. Depois colocava em uma panela de barro leite
de coco, ovos, açúcar, cravo e canela e levava ao fogão que era de
lenha, até se transformar em angu. Feito isso, colocava toda aquela massa em uma assadeira e levava ao forno de barro, que havia no
fundo do quintal. Para assar. Eu
me lembro que ela tirava aquela
assadeira do forno e regava o bolo
com leite de coco. O bolo ficava
com uma casquinha dourada!
Comíamos as fatias de bolo com
café.
Se minha mãe ou meu pai convidassem alguém importante para almoçar na minha casa, era
preciso matar um peru para satisfazer os convidados. Além do peru era preciso fazer um frango ou
uma galinha caipira para fazer galinha cabidela, que é o nome do
prato feito lá em Pernambuco.
A galinha a gente pegava na hora, viva, e cortava o pescoço dela e
aparava o sangue em uma vasilha
e reservava. Enquanto isso, preparava a galinha com vários tipos
de tempero. De preferência, coentro, sal, cebola e vinagre.
Depois batia o sangue da galinha num liqüidificador e colocava
por cima da galinha já na panela e
misturava até o caldo ficar escuro.
Feito isso, era só tampar a panela
e esperar a galinha cozinhar. Depois, servir com feijão, arroz e salada. De preferência com tomatinhos pequenos, como os que a
gente plantava e colhia na hora
que ia comer."
Acho que a professora conseguiu o que queria, deixei para trás
montes de exemplos, ninguém resiste à lembrança de um lambari
sequinho passado na farinha ou
fubá e frito na hora. Todos se
transformam em escritores de
gastronomia!
ninahort@uol.com.br
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