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LIVROS
"NEW WEIRD"
Saturada de clichês, ficção científica se volta para mistura ilimitada de gêneros, incluindo faroeste e policial
Nova onda atualiza a literatura fantástica
THALES DE MENEZES
ESPECIAL PARA A FOLHA
Cuidado. Você pode ler por aí
que "new weird" ("nova esquisitice") é um recém-nascido movimento da literatura de fantasia e
ficção científica, o futuro desses
gêneros, espécie de nova onda depois do cyberpunk surgido nos
anos 80 e esquecido nos anos 90.
Desconfie. "New weird" não é nada disso. Ou talvez seja. Os fóruns
de discussão pipocam na internet,
totalmente inconclusivos. Algumas facções até defendem que o
"new weird" não existe. Mas ele
está aí. O desafio é classificá-lo.
Não se trata de um movimento.
Um manifesto "new weird" não
teria sentido. Afinal, os escritores
arrolados sob esse rótulo não estão dispostos a ditar regras. Eles
querem, na verdade, quebrar todas elas.
Explicando: o que caracteriza
esses autores é a mistura ilimitada
de gêneros. Aos elementos tradicionais da ficção científica, eles
agregam thriller político, romance histórico, personagens reais,
faroeste, diários de viagem, policial noir e o que mais estiver à disposição. Tudo para libertar a literatura fantástica dos clichês que
infestam hoje as prateleiras de livraria dedicadas ao gênero.
Que clichês são esses? Gnomos,
elfos, dragões, feiticeiros, clones,
universos inteiros que são simulacros da realidade... Pois é, quem
pensou em "O Senhor dos Anéis"
e "Matrix" acertou em cheio.
Mesmo involuntariamente, essas
obras aprisionaram a literatura
fantástica numa fórmula acomodada. O carimbo "new weird"
avaliza livros que são focos de resistência aos subprodutos de J. R.
R. Tolkien.
Origem em Lovecraft
Erra feio quem pensa que "new
weird" é só uma reunião de jovens
iconoclastas. Os críticos que cunharam e defendem o rótulo vão
buscar sua origem na primeira
metade do século passado, nos livros do americano H.P. Lovecraft
(1890-1937). Ele misturou ficção
científica, horror e fantasia numa
pulp fiction em que aliens são
deuses e monstros são anjos caídos. Cronologicamente, as características "new weird" voltam a
aparecer na série "Gormenghast",
novelas góticas publicadas nos
anos 40 e 50 pelo britânico
Mervyn Peake (1911-1965).
Respeitados esses pioneiros, é
possível falar dos jovens da turma. Um deles é o italiano Valerio
Evangelisti, 53, que tem sua obra
mais badalada lançada agora no
Brasil (leia texto ao lado). "O Inquisidor" vai da Espanha do século 14 a uma viagem interplanetária em 2194. É o primeiro dos oito
livros que Evangelisti já escreveu
com seu personagem favorito. O
prestígio de Evangelisti entre os
seguidores do "new weird" só
perde para o de China Miéville,
um inglês de 36 anos, cabeça raspada e pinta de DJ. Ele virou gênio
com apenas quatro livros, três deles ambientados na futurista New
Crobuzon. Sua obra mais recente,
"Iron Council" (conselho de ferro), mostra um conflito análogo à
intervenção americana no Iraque.
Um dos capítulos descreve uma
revolta na cidade que reproduz as
manifestações estudantis de 1968
na França. E a prefeita de New
Crobuzon é igualzinha a Margareth Thatcher.
Stephen King
É curioso descobrir que essa estética, usada para combater o
mainstream da literatura, possa
influenciar um dos escritores
mais populares do planeta. Stephen King partiu para uma intensa mistura de gêneros em sua pretensiosa saga "A Torre Negra",
que já teve cinco de seus sete pesados volumes lançados no Brasil.
King fez uma salada com pistoleiros de faroeste e um menino-fantasma num mundo pós-apocalíptico descaradamente copiado da Terra Média de J.R.R. Tolkien (a ponto de chamar esse lugar de "Mundo Médio"). King rejeita a etiqueta "new weird". Outros menos famosos também, como o australiano K. J. Bishop e o
inglês Ian R. Macleod, embora
suas obras entrem em toda lista
do gênero que seja buscada na internet.
O mais importante é que o rótulo "pegou" e ultrapassa os limites
da literatura. Já se fala em "new
weird" na música, no cinema, na
TV e nos quadrinhos. Talvez seja
um exagero, mas parece que os livros de teoria literária terão de ser
reescritos para contemplar algo
novo e esquisito.
Thales de Menezes é redator-chefe da
revista "VIP" (Editora Abril)
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