São Paulo, quinta-feira, 18 de março de 2010

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Pupila tirou Fonseca de editora

Insistência de escritor para que Cia. das Letras publicasse romance de Paula Parisot causou saída

Após o episódio, escritor enviou originais da amiga para a Leya, que publicou o livro, e tomou parte em performance para lançá-lo

João Wainer/Folha Imagem
Fonseca assiste à performance da autora Paula
Parisot em uma livraria, anteontem em SP


FABIO VICTOR
DA REPORTAGEM LOCAL

Um dos segredos mais bem guardados do mercado editorial brasileiro zanzou por uma semana num cubo branco de 3m x 4m dentro de uma livraria em Pinheiros, São Paulo. Ali morou até ontem a escritora Paula Parisot, numa performance para lançar seu romance "Gonzos e Parafusos".
Foi ela o pivô da saída do escritor Rubem Fonseca da Companhia das Letras, em maio do ano passado, após 20 anos na editora. Um dos mais populares e prestigiados autores nacionais, o romancista e contista mudou-se para a Agir, do grupo Ediouro, por R$ 1 milhão.
Movido pelo silêncio das partes, desde então o mundo livreiro especulava sobre os motivos do rompimento. Segundo a Folha apurou, foi a insistência de Fonseca para que a Companhia publicasse "Gonzos e Parafusos" a causa da saída.
Paula é amiga e discípula literária do escritor. Anteontem, contrariando a famosa reclusão, ele viajou do Rio, onde vive, a São Paulo para participar da performance dela.
Acompanhado da mãe de Paula, Ana Seabra, e do marido da escritora, Richard Haber, Fonseca, 84, passou quase três horas no local. Ajudou a servir café da manhã para a amiga, abaixou para beijar a mão dela por uma portinhola e, parecendo fascinado, sussurrou-lhe por trás do vidro palavras carinhosas: "Precisa comer, viu?"; "Tá tão magrinha"; "Chora não, meu bem".
A jornalistas, avaliou o trabalho de Paula como "maravilhoso", previu para ela um "futuro brilhante" e disse sentir "grande admiração" pela pupila.
Paula já emplacara na Companhia seu primeiro livro, de contos, em 2007. Dois anos depois ofereceu o romance, mas, segundo a editora, não houve acordo para a publicação.
Fonseca, apurou a reportagem, intercedeu de uma forma que não agradou a Companhia.
O escritor nega ter sido esse o motivo da saída. A editora se recusa a comentar. Questionado sobre o episódio, o editor e dono da Companhia, Luiz Schwarcz, afirmou: "Não estou dando declaração porque o que aconteceu foi uma decisão privada, de caráter profissional e pessoal. Houve uma questão pessoal que de alguma forma atrapalhou uma relação profissional de tanto tempo e uma relação pessoal tão íntima e tão carinhosa como a que a gente tinha. E aí a gente, de ambas as partes, decidiu romper".
Para um importante editor brasileiro, que assistiu a tudo de camarote e pediu anonimato, "foi bom que isso tenha ocorrido", pois as editoras, diz, estão acostumadas a publicar sem critério, mesmo a contragosto, os apadrinhados dos seus grandes autores.
Fonseca -que já avalizou iniciantes que depois vingaram, como Patrícia Melo-, não desistiu de ajudar Paula. Enviou os originais de "Gonzos e Parafusos" para a editora Leya, que a contratou e investiu para lançar o romance, R$ 50 mil apenas na performance.
"É óbvio que a uma indicação do Rubem a gente presta mais atenção. Mas a Paula está na Leya porque acreditamos que ela é um dos grandes talentos da literatura brasileira. E a Leya vai investir nela", disse Pascoal Soto, diretor da editora.
"Gonzos e Parafusos" conta a história de uma psicanalista que se interna num hospício e se multiplica em outras personagens, entre elas a baronesa de uma pintura de Klimt.
O livro de contos de Paula, "A Dama da Noite" (2007), chegou a finalista da categoria "melhor livro de contos e crônicas" do Prêmio Jabuti. Foi malhado numa resenha no jornal de literatura "Rascunho", que o definiu como "pastiche" de Fonseca, com "marginalidade aos montes, uma visão idealizada do morro e sexo, muito sexo".
Paula, 31, é formada em desenho industrial, com mestrado em belas-artes em Nova York. Em entrevista ao site "Observatório da Imprensa", em 2007, disse que não gostava de ler até conhecer, na adolescência, a obra de Fonseca.
"O Rubem me fez acreditar na humanidade (...). Talvez, por isso, não tenha hoje mais a capacidade de separar o homem, o escritor e a sua obra. Então, como não dedicar o meu primeiro livro para ele dizendo, "Para Rubem Fonseca sempre". O meu amor pela literatura e a minha crença na vida (...) nasceram através desse artista que se chama Rubem Fonseca."


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