São Paulo, sexta-feira, 18 de março de 2011

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Voo cego

Produção mais cara, e talvez mais amaldiçoada , da história da Broadway, " Spider-Man : Turn off the Dark" empilha referências e tem futuro incerto

LUCAS NEVES
ENVIADO ESPECIAL A NOVA YORK

Alvejado por torpedos da crítica e enroscado num carretel de problemas mundanos que inclui bancarrota, contusões e uma diretora demitida, o jovem Peter Parker quer escapismo -e um pouco de afago no ego, é claro.
A meio caminho do primeiro ato do musical "Spider-Man: Turn Off the Dark" (homem-aranha: apague o escuro, em tradução livre), veste o figurino do super-herói e alça voo sobre a plateia do Foxwoods Theatre, no coração da Broadway. Sobe até o segundo balcão, faz pose, volta ao palco e dá um pulo no primeiro mezanino para o último "show off". Aplausos.
Tudo vai bem na 104ª prévia da produção teatral mais cara da história -US$ 70 milhões (R$ 116,6 mi) até aqui, fora a manutenção semanal de US$ 1 mi (R$ 1,6 mi).
Até que a tecnologia atravessa o rock de Bono e The Edge, dupla do U2 que criou a trilha. Na cena final, quando toca "A Boy Falls from the Sky" (um garoto cai do céu), Matthew James Thomas, o ator reserva que, na matinê, encarna o escalador de paredes, está é preso nas alturas celestes. A geringonça que o faz planar enguiçou.
A plateia não se abala. Depois de pagar até US$ 150 (R$ 250) e seguir pela mídia a via-crúcis do herói (seis datas de estreia já foram anunciadas), quase espera ser brindada com o suvenir de uma trapalhada técnica.
"Tecnologia 3-D em teatro dá defeito. É que está começando, né?", diz Renan Saad, advogado brasileiro que levou mulher e filhas para ver as estripulias de Parker.

"A ORIGEM" AO VIVO
Além da "tecnologia 3-D", o pacote montado por Julie Taymor -diretora até a semana passada, além de coautora da dramaturgia e criadora das máscaras usadas em cena- tem referências para todos os gostos.
Os cenários são decalcados da estética dos gibis. E quando o heroísmo vira um fardo para Parker, os espigões da metrópole à espera de salvamento parecem tombar sobre ele, oprimindo-o.
A horizontalidade alcança o ápice quando o personagem-título e o vilão, Duende Verde, lutam no topo do Chrysler Building, cartão postal nova-iorquino. A plateia, em perspectiva vertiginosa, vê os carros passando na rua, ao fundo. Alguém aí se lembra de "A Origem"?
Antes disso, para agradar a molecada, a turma da escola de Parker estrela um número de canto e dança à la "High School Musical".
Se a pedida é hip hop, Taymor tira da cartola uma inacreditável canção nos moldes de Rihanna, Destiny's Child e clones de clones. Em "Deeply Furious", Arachne, a aranha importada de um mito grego que tem fixação pelo herói, arma um saque a uma loja para se apossar do "trunfo" da rival, Mary Jane: sapatos de salto alto.
Em caso de a miscelânea não colar, a produção apela à gentileza para evitar coro dos espectadores com os críticos -um deles cravou que o musical é "tão equivocado que um conserto parece impossível". O repórter tinha ingresso para a fila Z. Por razão desconhecida, foi parar na K. Na vizinhança, duas famílias brasileiras também foram "promovidas".
Não bastou para adoçar o aposentado americano James Brown. "Eles têm de recomeçar tudo. Não há desenvolvimento de personagens. Não nos envolvemos."
Dez minutos depois do fim da matinê, um burburinho agita a rua 43, nos fundos do teatro. Fãs se acotovelam para pedir autógrafos. É o álibi para apurar o que muda com a chegada do novo diretor.
Enquanto o Homem-Aranha rabisca seu programa, o repórter pergunta, inocente: "Você sabe se haverá alterações?". "Quem sabe? Quem sabe? Provavelmente uma série", rebate Thomas.
Do jeito que a coisa anda, nem Gina, a taróloga e leitora de mão que dá expediente do outro lado da rua a US$ 10, saberá dar alguma certeza.


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