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LITERATURA
Escritor brasileiro fala sobre censura, do "jeito" com as mulheres e de seu processo criativo em evento na cidade
Auster "entrevista" Chico Buarque em NY
PEDRO DIAS LEITE
DE NOVA YORK
A programação prometia uma
"Conversação: Chico Buarque e
Paul Auster", mas, na verdade, o
que se assistiu na biblioteca pública de Nova York na ensolarada e
fria tarde de sábado foi a uma entrevista, e das boas, conduzida pelo norte-americano com o autor
do romance "Budapeste".
Apesar da fama mais do que reiterada de tímido, Chico estava
muito à vontade. Falou das músicas sob censura ("Eu mesmo,
quando ouço as músicas que escrevi, não entendo o que eu quis
dizer"), do jeito com as mulheres
("Não tenho nada a ver com essa
reputação") e da vocação do rap
("O tipo de música que uma vez
foi feita, por mim e por outros,
com uma temática social, eles fazem isso melhor").
E ainda brincou com o fato de
suas entrevistas no Brasil sempre
acabarem na sua faceta de compositor em algum momento: "Fui
à Noruega e a repórter perguntou:
é verdade que você é também um
compositor?". Nos EUA, achava
que seria diferente ("Aqui sou
mais conhecido como o tio da Bebel"), mas Auster teve de intervir
quando um fã pediu que Chico
cantasse uma música. "É um festival literário pessoal", disse, bem-humorado, o autor de "Leviatã".
Os dois fizeram a palestra de
abertura do PEN World Voices,
um festival internacional de literatura que segue até o dia 22 em
Nova York. A idéia é que não seja
um "festival tradicional", mas,
sim, uma "reabertura do diálogo
entre a América e o resto do mundo", como explicou na abertura
da palestra o presidente do PEN, o
britânico Salman Rushdie.
A tarde começou em clima
ameno, com Auster perguntando
à platéia de cerca de 150 pessoas
que lotava o auditório quem ali
conhecia a música de Chico Buarque. Não mais que a metade levantou a mão. Quando a questão
foi sobre quem já leu seus livros, o
número não passou de 40.
Na uma hora e meia que se seguiu, os ouvintes conheceram
mais da literatura de Chico, de sua
relação com a música, de seu processo criativo. E ainda souberam
que o novo livro de Auster está
quase pronto ("Brooklyn Folies")
e que Chico voltou a compor, com
planos de um disco novo e shows.
Na maior parte das vezes, foi
um monólogo de Chico sobre
música, fama, ditadura e mulheres. Leia a seguir as declarações
que o escritor brasileiro fez no festival literário:
Mulheres
"Eu não tenho nada a ver com
essa reputação [de entender as
mulheres]. Escrevi músicas para
mulheres cantarem, porque temos mais compositores homens
que mulheres."
"Não seria capaz [de escrever
um livro como mulher]. Música é
algo curto, você escreve por um
momento, não acho que me sentiria confortável escrevendo como
uma mulher por dois anos."
Rap
"Gosto muito de rap. O tipo de
música que uma vez foi feita, por
mim e por outros, com uma temática social, eles fazem isso melhor, porque vêm de lá. Eles falam
para sua gente, vêm das favelas e
são ouvidos por todos os tipos de
pessoas. Eles têm algo a dizer,
muito sério."
Censura
"Escrevi meu primeiro livro naquela época, porque tinha muitas
músicas que eram censuradas.
Mas não foi um bom livro ["Fazenda Modelo", de 1974], porque
foi escrito por um outro tipo de
necessidade, porque eu não podia
escrever música, foi escrito com
raiva."
"Muitas vezes, havia tantas metáforas e tantos meios de escapar
da censura na década de 70, que,
eu mesmo, quando ouço músicas
que escrevi, não entendo o que eu
quis dizer."
Literatura e música
"Acho que escrevo livros como
faço música. Tenho música na cabeça o tempo todo. Eu nunca ouço música, porque atrapalha meu
escrever."
"Quando eu escrevo acho que
tem música no fundo da minha
cabeça. E tem uma necessidade
inconsciente de escrever de um
modo musical. Se uma frase faz
sentido, eu leio, releio, mas algo
está errado, esse algo errado tem a
ver com o sentido musical, o ritmo da frase, não sei como dizer,
mas fico realmente satisfeito
quando leio de modo musical."
"Escritores dizem, ah, escrevo
ouvindo suas canções, ou música
clássica. Eu olho para eles e digo:
você não gosta de música. Você
gosta, mas não é uma pessoa musical. Não toma sua atenção. Se
você gosta, qualquer música, no
elevador, chama a sua atenção."
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