São Paulo, quarta-feira, 18 de abril de 2007

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Há muito ódio gratuito, diz Ramalho

Cantor afirma não entender hostilidade contra Calypso e Paulo Ricardo e lamenta silêncio de "divas" aos seus convites

Mantendo estilo sincero que chama de romântico, diz que "a indústria fonográfica está morrendo" e defende a liberação de drogas


Ana Carolina Fernandes/Folha Imagem
Zé Ramalho em seu apartamento no Leblon, Rio; cantor lança novo álbum com participações de Banda Calypso e Paulo Ricardo


LUIZ FERNANDO VIANNA
DA SUCURSAL DO RIO

Zé Ramalho, 57, olha todas as noites o seu site. Tem visto comentários raivosos de fãs contra nomes que constam de seu novo CD, "Parceria dos Viajantes": Banda Calypso, que canta numa faixa; Oswaldo Montenegro, parceiro em outra; o ex-RPM Paulo Ricardo, que toca baixo em três. É a extensão de coisas que sempre ouviu por causa de seu ecletismo.
"Há muito ódio gratuito, muita hostilidade. Não consigo entender, todos os afluentes vão dar no grande mar da música. Neste momento, me interessa muito mais estar próximo de outros artistas do que permanecer numa viagem solitária", afirma ele.
Em todas as 11 faixas há um parceiro, entre eles Zeca Baleiro, Chico César, Jorge Mautner e o produtor do CD, Robertinho do Recife. Cantando, participam Pitty, Sandra de Sá, Daniela Mercury e Zélia Duncan, além da Calypso.
"Tentei uma das divas: Gal Costa, Alcione, Bethânia. Não consegui porque é muito difícil chegar até elas, são muito reclusas hoje. [O convite] Deve ter chegado até alguma assessora, que deu algum recado. O silêncio foi uma resposta", diz.
O caso ecoa um outro, de quatro anos atrás, quando Ramalho gravou, ao lado de Fagner e do conjunto Época de Ouro, a canção "Amigo" para o CD "Estação Brasil", mas a versão foi vetada por Roberto Carlos.
Ramalho diz que ficou "desapontado", mas não ofendido, porque não foi o único a enfrentar problemas com o "rei", agora empenhado em proibir sua biografia escrita por Paulo Cesar de Araújo.
"É uma insegurança muito grande de Roberto. É natural que as pessoas queiram saber da vida dele, como a história do defeito da perna. Ele é cheio de problemas com isso, não há psicanálise que resolva", diz.

Drogas e queda
Para Ramalho, "nosso passado é a nossa base". Ele diz isso com a experiência de quem passou por extremos. Viajou da Paraíba para o Rio "com uma sacola e uma viola" e, para sobreviver, foi até "táxi boy" -versão menos profissional dos garotos de programa e título de uma música sua.
Encontrou a sorte nos três primeiros discos (1978, 79 e 81), de grande sucesso e onde estão clássicos como "Avohai" e "Admirável Gado Novo". Mas, entre os anos 80 e meados dos 90, entrou numa rota descendente provocada, em especial, por seu envolvimento com drogas.
"Não existe, a meu ver, vício.
É uma curiosidade que você tem que matar. Vai até o fim e pára quando não há mais o que buscar. Nunca fiz tratamento nenhum, fui a clínica nenhuma, fiz psicanálise nenhuma. Tive reações físicas, mas resolvi sozinho", conta.
Ele ressalta que não faz propaganda contra as drogas nem proíbe seus filhos adolescentes de um dia usarem.
"Todas as drogas devem ser liberadas. O Estado passaria a ter preocupação com saúde, não com tiroteio e traficante", defende ele, afirmando que "ninguém morre de maconha".
"Fica no máximo chapadão.
Coisas químicas são mais complicadas. Mesmo assim, se você é maior, tem que saber o que é bom e o que é ruim. Se quer viver a vida de um gole só, beba seu gole e acabou."
Embora hoje cuide da saúde, ele mantém essa postura que chama de "romântica" em relação a várias coisas. Não cogita, por exemplo, entrar numa batalha jurídica contra o selo alemão que, sem lhe pagar nada, comercializa o CD "Paêbiru", feito em 1975 com Lula Côrtes e hoje o vinil mais caro nos sebos brasileiros, como a Folha mostrou em 2006. "Dá uma ponta de orgulho um trabalho artesanal ganhar na Europa uma atenção especial", diz.
Opinião semelhante tem em relação à pirataria. Com exceção das do novo disco, que devem ser liberadas até o fim do ano, todas as suas músicas podem ser baixadas no seu site.
"Através dos piratas, vejo meu trabalho se espalhar em áreas mais simples, pois as pessoas humildes não podem comprar nas lojas. Se eu ficar sofrendo, não vai adiantar nada. A indústria fonográfica está morrendo", acredita.

PARCERIA DOS VIAJANTES
Artista:
Zé Ramalho
Gravadora: Sony BMG
Quanto: R$ 25, em média


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