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Funk viaja e leva o rock na bagagem
Batizado pelo DJ e produtor alemão Daniel Haaksman como "pós-baile funk", nova vertente percorre clubes europeus
O DJ carioca Sany Pitbull é o nome central dessa cena, considerada mais "experimental" por Hermano Vianna
Laur Laanemaa - 28.mar.08
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O DJ carioca Sany Pitbull em set em clube de Tallinn, na Estônia, no fim de março, onde misturou tamborzão com White Stripes, Justice, Eurythmics e Yes
BRUNA BITTENCOURT
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA
Os samples de White Stripes,
Justice, Eurythmics e até Yes
poderiam confundir os desavisados na pista do clube de Tallinn (Estônia), onde o DJ Sany
Pitbull tocou no fim de março.
Mas a batida do tamborzão e as
interferências que ele fazia
com seu MPC (um sampler eletrônico) esclareciam: era um
set de funk carioca, pontuado
por referências estrangeiras ao
gênero.
Sem a companhia nem os refrãos de MCs, recorrendo a ousadas colagens sonoras, dialogando com gêneros como o
rock e o pop, Sany vem alargando os limites do funk carioca, ao
lado de DJs como Edgar e Sandrinho, criando uma nova vertente para o gênero, batizada
como pós-baile funk, que tem
na Europa o seu público.
"Eles partiram da tradição
instrumental do baile funk, a
montagem, que é formatada
pelo medley [o encadeamento
de várias canções], sem um
MC. Mas deram um passo
adiante, usando uma colcha de
retalhos de influências para
criar sua versão abstrata do
funk", diz à Folha o DJ e produtor alemão Daniel Haaksman, que lançou em 2004 a
primeira coletânea de funk carioca fora do Brasil, "Rio Baile
Funk - Favela Booty Beats", e
deu nome ao gênero lá fora
(baile funk).
"O funk que toca no baile e
que faz sucesso são canções
que têm melodia e refrão", diz
o antropólogo Hermano Vianna, autor de "O Mundo Funk
Carioca". "E existe essa outra
vertente mais experimental
[pós-baile funk]. São cenas
complementares."
Para Haaksman, trata-se de
um tipo de funk que não é feito
para tocar nos bailes do Rio,
mas para uma audiência global.
O termo pós-baile funk, criado
por ele, representa, portanto,
um passo do funk carioca em
direção ao que se faz lá fora.
"Eu pensei neste termo como uma analogia ao "pós-rock",
no qual os músicos utilizam ritmos, melodias e samples que
não pertencem à tradição do
rock. É uma desconstrução do
gênero", explica.
O jornalista Silvio Essinger,
autor de "Batidão: Uma História do Funk", não vê um grande
ineditismo no pós-baile funk,
mas um "cross over" mais
acentuado. "Para mim é funk.
Não tem essa de "pós" nem "pré".
As pessoas vão se apropriando
do gênero, que está em permanente mutação", diz. "O que a
gente conhecia como funk em
1995 é completamente diferente do que toca hoje nos bailes.
Em 1994, você não tinha o tamborzão, as bases rítmicas eram
importadas. Hoje há até híbridos com o trance, mas que não
são absorvidos imediatamente
pela favela."
Radical
"O Sany é a coisa mais importante que está acontecendo na
arte eletrônica no Brasil hoje",
enfatiza Hermano. "É um tratamento sonoro muito radical o
que ele faz com os sons."
A partir da informação de
que não tocaria em clubes voltados para a comunidade brasileira, em sua primeira turnê européia, em 2006, Sany achou
que seria bom adaptar o funk
aos ouvidos europeus.
"Se eu levar só a batida do
funk e coisas da música brasileira, as pessoas não vão entender. Mas, quando pego uma
guitarra do Dire Straits e começo a fazer as coisas na hora
[programações com o MPC,
nas quais o DJ interage com outras faixas], é diferente", diz o
DJ à Folha.
Em março, Sany iniciou sua
terceira turnê européia na pista da Fabric (importante clube
londrino, que lança compilações mixadas por DJs como o
chileno Ricardo Villalobos e a
alemã Ellen Allien) e ainda
passou pela França, Suíça, Holanda, Suécia, Dinamarca, Fin-lândia e Estônia. No mesmo
mês, ganhou um perfil na importante revista de música
americana "XLR8R". Na próxima semana volta à Europa. Toca em Portugal e na Holanda.
"A música do Sany é a que
tem mais apelo lá fora. Ele tem
uma cultura musical vasta e é
provavelmente o melhor dessa
geração, também pelo seu trabalho com o MPC", diz Essinger. Hermano chama a atenção
para as interferências que os
DJs de funk fazem ao vivo com
o sampler, como uma característica única do gênero, além de
constante no pós-baile funk.
"Mas tem uma galera vindo
com força, como o Sandrinho e
o Amazing Clay, que está fazendo híbridos de batidão com
teclados de trance, que aos
poucos estão sendo aceitos até
no baile", diz Essinger.
Sandrinho faz uma aproximação do funk com o baltimore club [gênero para as pistas
que mescla house e hip hop].
Começou a excursionar pela
Europa em 2004, como DJ de
Mr. Catra. No ano seguinte, já
fazia apresentações solo -em
2007, chegou a tocar em Macau. Edgar embarca neste mês
para a Europa em uma turnê
que terminará em junho.
À parte as turnês européias,
o trio se apresenta com regularidade no Rio, em comunidades ou em casas noturnas, tocando também a vertente mais
tradicional do funk.
Vinil do funk
Depois do lançamento de
"The Rio Baile Funk", que vendeu 25 mil cópias, Haaksman
lançou a série "Funk Masters"
para divulgar o trabalho dos
produtores, "as pessoas por
trás dos MCs". Seus volumes
foram dedicados a Sandrinho,
Sany, Edgar, Amazing Clay e
Grandmaster Raphael. "Cada
um deles tem seu próprio estilo, mas todos têm um largo horizonte. Eles têm viajado e entrado em contato com vário estilos de música eletrônica, o
que se reflete em sua música."
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