São Paulo, segunda-feira, 18 de abril de 2011

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OPINIÃO

Anarquia triunfa sobre a cartilha da proibição

Restrições são produto de cidade sem tradição em fazer festas de rua

XICO SÁ
COLUNISTA DA FOLHA

"Você acha que eu vou guerrear com a alegria dessa multidão todinha?", confidenciou, seguido de uma gargalhada, um raro guarda civil relax, um negão à Tony Tornado, que se apresentaria ali pertinho, no palco República, uma hora e 40 minutos depois.
Ele até ensaiava uma corridinha para vigiar e punir a venda de bebidas, abria o sorriso, como se risse do próprio chefe-mor, e deixava quieto. Figura.
"É duro brigar contra a natureza da humanidade", dizia, com ares de guru da Virada. "Vou segurar um tsunami no peito? Sou pobre, moro longe, mas não sou louco!"
Foi bonita a festa, pá, triunfo da anarquia da rua sobre a cartilha do proibidor-geral de Piratininga. Festa organizada e limpinha, pelo amor, não é festa.
A cidade proibida desvairou geral, coisa linda.
O prefeito Kassab, espécie de Jânio Quadros sem álcool, foi derrotado pela turma do Sangue de Boi, sangue de boá, como diria o "connoisseur" francês.
Você convida para uma festa, eu disse festa, e impõe exigências que mais combinam com um velório?!
Os convidados ignoraram o suposto "dono" da farra. Aí esteve o segredo, apesar de uma ou outra catástrofe tão natural e cotidiana de São Paulo, do êxito.
Não pode sujar a casa, não pode beber, a PM não vai tolerar a roda de pogo mesmo em show punk como o Misfits na Júlio Prestes. E lá vai uma viatura, como testemunhei, esmagando o que encontra pela frente.
Por um momento vi o mesmo desastre, patrocinado pelas autoridades, no show dos Racionais MC's na Virada 2007. Gracias a Deus, o punk não morreu e a confusão não foi nada perto do que poderia ter sido.

AGORAFOBIA
Sem tradição em festa de rua -aqui normalmente a farra é privada-, as autoridades parecem sofrer de agorafobia, o medo de eventos. A turma se joga, com fome de fuzarca a céu aberto, e o poder gasta toda a energia moral em proibir o rock and roll -aqui no sentido dilatado.
Estágio já com os mestres em folias arruaceiras do Recife e da cidade da Bahia.
Enquanto isso, no "gabinete do dr. Estranho", ali colado no gabinete do prefeito, o músico Livio Tragtenberg, dentro de uma jaula, fazia uma das coisas públicas mais geniais da Virada.
Um microfone aberto para qualquer passante. Um cara sofrendo de amor ia lá e dizia dores, a mina elegante e gostosa, minissaia e botas cano curto, manda um segredo de alcova.
Donde o terrível dr. Estranho fazia reverberar as vozes da seca amorosa em mixagens que estremeciam toda a a freguesia do centro velho. O amor tudo pode.


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