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Intelectuais espreitam seu próprio passado
SYLVIA COLOMBO
EDITORA-ADJUNTA DA ILUSTRADA
Eles passam a vida perscrutando o passado de países e civilizações, às vezes muito distantes no
tempo e no espaço. Desta vez, entretanto, foram obrigados a desviar a atenção da vida de pessoas
já mortas há muitos anos para
olhar para as próprias trajetórias,
assim como deixaram de pensar
em séculos para limitar-se às décadas que sucederam o dia de
seus nascimentos.
"Conversas com Historiadores
Brasileiros" reúne o depoimento
de 15 intelectuais da área, em entrevistas ao também historiador
José Geraldo Vinci de Moraes e ao
economista José Marcio Rego. Os
bate-papos abordaram quatro temas principais: a trajetória pessoal de cada um, sua produção
acadêmica, opiniões sobre teoria
da história e o o papel do historiador na sociedade brasileira.
Os entrevistadores procuraram
ouvir historiadores de diferentes
gerações e filiações historiográficas. O time ficou assim: Maria
Yedda Linhares, Edgar Carone,
Emilia Viotti da Costa, Boris
Fausto, Fernando Novais, Evaldo
Cabral de Mello, José Murilo de
Carvalho, Maria Odila da Silva
Dias, Ciro Flamarion Cardoso,
Luiz Felipe de Alencastro, Edgard
de Decca, Angela de Castro Gomes, João José Reis, Nicolau Sevcenko e Laura de Mello e Souza.
No ano em que se comemora o
centenário de nascimento de Sérgio Buarque de Holanda (1902-1982), os historiadores foram instados a falar sobre seu legado, ao
lado de Gilberto Freyre (1900-1987) e Caio Prado Júnior (1907-1990), para a história do Brasil que
se fez nos últimos 50 anos e a que
se produz hoje nas universidades
em que eles atuam.
A tríade foi, em geral, reverenciada, mas houve ressalvas. O
baiano João José Reis ("A Morte É
uma Festa") alertou: "As deficiências dessa geração continuarão a
pairar sobre suas obras, sobretudo os excessos generalizantes que
se encontram em todos eles. A
historiografia atual demanda
mais rigor empírico e nenhum
deles resistirá a esse teste em suas
obras consideradas "clássicas'".
Já o paulista Nicolau Sevcenko
("Orfeu Extático na Metrópole")
ressaltou o fato de que os três intelectuais se completam. "Temos a
combinação de três bases fundamentais para entender o país. O
elemento da estabilidade, da permanência, do sedentarismo [no
caso de Gilberto Freyre"; o elemento da errância, da itinerância,
da fluidez, da flutuação [no de
Sérgio Buarque"; e o elemento do
conflito, do choque, da luta de
classes [no de Prado Jr."."
A falta de estudos mais abrangentes sobre o Brasil hoje, muitas
vezes relacionada à crescente especialização exigida pela academia, foi outro tema em debate.
Para Vinci de Moraes, co-autor
do volume, os historiadores hoje
concordam que, principalmente
depois da institucionalização da
pós-graduação nos anos 70, ficou
mais difícil fazer análises amplas
como as realizadas por Prado Jr./
Buarque de Holanda/Freyre.
"É melhor que a situação seja
assim hoje, pois o que se ganhou
com a regularização do ofício e
com a profissionalização da pesquisa é valioso para a história do
Brasil", disse Moraes à Folha.
A relação entre os historiadores
e a mídia foi outro dos temas
abordados. Para Luiz Felipe de
Alencastro, por exemplo, há um
risco que vale a pena ser assumido
numa relação mais próxima entre
os intelectuais e o jornalismo. "É
verdade que, se o historiador escreve patacoadas nos jornais, errando redondamente sobre o presente, ele compromete sua reputação como estudioso do passado.
Também é certo que artigos com
opiniões fortes, politicamente engajadas, podem ser considerados
prejudiciais para a reputação do
historiador. Mas, como o Brasil é
um escândalo social permanente,
minha decisão é clara: prefiro tomar posição sobre a atualidade, e
eventualmente comprometer minha reputação de historiador, a ficar quieto."
Moraes também acredita que as
conversas permitem perceber,
entre outras coisas, que já não
existe uma divisão tão rigorosa
entre os que trabalham com história marxista e os adeptos à corrente filiada à escola francesa
mais voltada ao estudo das mentalidades. "Acho que a discussão
entre marxismo e nova história
está superada. Pelo menos para
boa parte da nova geração, os espíritos estão mais abertos, não no
sentido de juntar tudo num liquidificador, mas de buscar convergências entre diferentes correntes
de pensamento", disse.
Um segundo volume de "Conversas com Historiadores Brasileiros" está nos planos. O livro faz
parte de série idealizada pela editora 34 para mapear a intelectualidade brasileira. Já foram lançados
"Conversas com Economistas
Brasileiros" (vols.1 e 2) e "Conversas com Filósofos Brasileiros".
CONVERSAS COM HISTORIADORES
BRASILEIROS. Autores: José Geraldo
Vinci de Moraes e José Marcio Rego.
Editora: 34. Preço R$ 34 (400 págs.).
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