São Paulo, sábado, 18 de maio de 2002

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Intelectuais espreitam seu próprio passado

SYLVIA COLOMBO
EDITORA-ADJUNTA DA ILUSTRADA

Eles passam a vida perscrutando o passado de países e civilizações, às vezes muito distantes no tempo e no espaço. Desta vez, entretanto, foram obrigados a desviar a atenção da vida de pessoas já mortas há muitos anos para olhar para as próprias trajetórias, assim como deixaram de pensar em séculos para limitar-se às décadas que sucederam o dia de seus nascimentos.
"Conversas com Historiadores Brasileiros" reúne o depoimento de 15 intelectuais da área, em entrevistas ao também historiador José Geraldo Vinci de Moraes e ao economista José Marcio Rego. Os bate-papos abordaram quatro temas principais: a trajetória pessoal de cada um, sua produção acadêmica, opiniões sobre teoria da história e o o papel do historiador na sociedade brasileira.
Os entrevistadores procuraram ouvir historiadores de diferentes gerações e filiações historiográficas. O time ficou assim: Maria Yedda Linhares, Edgar Carone, Emilia Viotti da Costa, Boris Fausto, Fernando Novais, Evaldo Cabral de Mello, José Murilo de Carvalho, Maria Odila da Silva Dias, Ciro Flamarion Cardoso, Luiz Felipe de Alencastro, Edgard de Decca, Angela de Castro Gomes, João José Reis, Nicolau Sevcenko e Laura de Mello e Souza.
No ano em que se comemora o centenário de nascimento de Sérgio Buarque de Holanda (1902-1982), os historiadores foram instados a falar sobre seu legado, ao lado de Gilberto Freyre (1900-1987) e Caio Prado Júnior (1907-1990), para a história do Brasil que se fez nos últimos 50 anos e a que se produz hoje nas universidades em que eles atuam.
A tríade foi, em geral, reverenciada, mas houve ressalvas. O baiano João José Reis ("A Morte É uma Festa") alertou: "As deficiências dessa geração continuarão a pairar sobre suas obras, sobretudo os excessos generalizantes que se encontram em todos eles. A historiografia atual demanda mais rigor empírico e nenhum deles resistirá a esse teste em suas obras consideradas "clássicas'".
Já o paulista Nicolau Sevcenko ("Orfeu Extático na Metrópole") ressaltou o fato de que os três intelectuais se completam. "Temos a combinação de três bases fundamentais para entender o país. O elemento da estabilidade, da permanência, do sedentarismo [no caso de Gilberto Freyre"; o elemento da errância, da itinerância, da fluidez, da flutuação [no de Sérgio Buarque"; e o elemento do conflito, do choque, da luta de classes [no de Prado Jr."."
A falta de estudos mais abrangentes sobre o Brasil hoje, muitas vezes relacionada à crescente especialização exigida pela academia, foi outro tema em debate. Para Vinci de Moraes, co-autor do volume, os historiadores hoje concordam que, principalmente depois da institucionalização da pós-graduação nos anos 70, ficou mais difícil fazer análises amplas como as realizadas por Prado Jr./ Buarque de Holanda/Freyre.
"É melhor que a situação seja assim hoje, pois o que se ganhou com a regularização do ofício e com a profissionalização da pesquisa é valioso para a história do Brasil", disse Moraes à Folha.
A relação entre os historiadores e a mídia foi outro dos temas abordados. Para Luiz Felipe de Alencastro, por exemplo, há um risco que vale a pena ser assumido numa relação mais próxima entre os intelectuais e o jornalismo. "É verdade que, se o historiador escreve patacoadas nos jornais, errando redondamente sobre o presente, ele compromete sua reputação como estudioso do passado. Também é certo que artigos com opiniões fortes, politicamente engajadas, podem ser considerados prejudiciais para a reputação do historiador. Mas, como o Brasil é um escândalo social permanente, minha decisão é clara: prefiro tomar posição sobre a atualidade, e eventualmente comprometer minha reputação de historiador, a ficar quieto."
Moraes também acredita que as conversas permitem perceber, entre outras coisas, que já não existe uma divisão tão rigorosa entre os que trabalham com história marxista e os adeptos à corrente filiada à escola francesa mais voltada ao estudo das mentalidades. "Acho que a discussão entre marxismo e nova história está superada. Pelo menos para boa parte da nova geração, os espíritos estão mais abertos, não no sentido de juntar tudo num liquidificador, mas de buscar convergências entre diferentes correntes de pensamento", disse.
Um segundo volume de "Conversas com Historiadores Brasileiros" está nos planos. O livro faz parte de série idealizada pela editora 34 para mapear a intelectualidade brasileira. Já foram lançados "Conversas com Economistas Brasileiros" (vols.1 e 2) e "Conversas com Filósofos Brasileiros".


CONVERSAS COM HISTORIADORES BRASILEIROS. Autores: José Geraldo Vinci de Moraes e José Marcio Rego. Editora: 34. Preço R$ 34 (400 págs.).


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