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LIVRO/LANÇAMENTO
Considerada "rainha do suspense", inglesa comenta seu romance "Morte no Seminário", recém-lançado no Brasil
Morte no jardim de P.H. James
DA REPORTAGEM LOCAL
A sorridente avozinha de 80
anos na foto ao lado, em meio ao
jardim de azaléas ou coisa que o
valha, é capaz de anotar a seguinte
programação na sua agendinha.
Quarta-feira à tarde, sessão na
aristocrática Câmara dos Lordes,
em Londres, que frequenta como
baronesa de Holland Park. Quarta-feira à noite, dar retoques no livro em que o assassino estrangula
as vítimas assobiando hinos e depois entope a boca dos falecidos
com pêlos púbicos.
Phyllis Dorothy James, ou P.D.
James no ambiente das letras, não
mistura uma coisa e a outra.
Embora venha sendo chamada
de sucessora da "rainha do suspense", Agatha Christie, há pelo
menos 20 anos, essa escritora de
Oxford tem se notabilizado justamente por colocar a tradicional literatura policial inglesa em um
expresso rumo a um Oriente bem
distinto. Nos seus mais de 15 livros, sedimentos de quatro décadas de assassinatos literários, ela
contradiz os principais preceitos
da antecessora de coroa.
Em primeiro lugar, o romance
policial não é necessariamente
um "whodunit", para usar a expressão do cineasta Alfred Hitchcock para histórias em que o importante é descobrir, no fim,
quem é o culpado.
Em segundo, o cenário não é
sempre refinado como os "christianos": tradicionais casarões de
campo, mansões com bibliotecas
de livros de couro, mordomos de
fraque. Se P.D. James não chega
aos ambientes sujos do "noir
americano" de Raymond Chandler e Dashiell Hammett, ela leva
a narrativa para panos de fundo
mais variados e possíveis.
Mas a dissonância central entre
as damas inglesas do crime talvez
esteja nos seus desfechos. Nos livros protagonizados por Adam
Dalgliesh, detetive predileto de James, não é sempre que o livro termina com final idílico.
Não é bem o caso de "Morte no
Seminário", que a Companhia
das Letras lançou recentemente e
que vem frequentando as listas de
mais vendidos das últimas semanas. Foi para falar desse trabalho
que a escritora inglesa, um dos
grandes nomes da literatura policial que respira, saiu do jardim
onde planeja seus assassinatos
para trocar e-mails com a Folha.
Leia alguns trechos da entrevista.
(CASSIANO ELEK MACHADO)
Folha - Como a sra. faz para conciliar a confortável vida de avó e baronesa de Holland Park com a criação e descrição cotidiana de assassinatos barrocos e cruéis?
P.D. James - Frequentemente me
perguntam como uma inocente e
animada vovó, integrante da Casa
dos Lordes e fiel da Igreja Anglicana, pode também escrever livros
sobre assassinatos terríveis. A
única coisa que posso dizer é que
as histórias de detetives, com sua
estrutura bastante formal, mas
com possibilidades infinitas, sempre me fascinou.
Folha - A sra. concorda com os críticos que dizem que sua literatura
trabalha essa "estrutura formal"
de maneira feminina, sobretudo na
descrição delicada de ambientes?
James - Não gosto de dividir escritores em homens e mulheres,
mas acho que escritoras de mistério realmente se preocupam particularmente com enredos, motivos, descrições, muito mais do
que com violência ou armamentos. Nosso interesse em eventos
pequenos da vida cotidiana também nos ajuda a fabricar as pistas
que o bom suspense deve ter.
Folha - Em "Morte no Seminário",
assim como em trabalhos anteriores, a sra. mostra uma riqueza de
detalhes com relação a procedimentos técnicos da polícia, como
termos e práticas de medicina legal. A sra. pesquisa para escrever?
James - Eu realmente me esforço
muito na pesquisa e tenho grande
ajuda de conhecidos meus na polícia. Para fazer "Morte no Seminário", por exemplo, eu visitei um
colégio religioso em Oxford. Devo
dizer, porém, que o seminário
que descrevo no livro é bem diferente. Saiu da minha imaginação.
Folha - "Morte no Seminário" faz
um retrato decadente do anglicanismo, incluindo o tema bastante
atual da pedofilia religiosa. Qual a
opinião da sra. sobre a situação
real dessa igreja?
James - A Igreja Anglicana realmente tem enfrentado os mesmos
problemas pelos quais têm passado a maior parte das igrejas cristãs. Vive a queda do número de
fiéis, problemas financeiros, dificuldade de atrair pessoas para o
sacerdócio. O anglicanismo também tem problemas quanto à ordenação tanto de mulheres quanto de homossexuais assumidos e
passou por tempos difíceis quando se questionou se deveria deixar
de ser a igreja oficial inglesa. Ainda assim, ainda tem muitos fiéis.
Folha - Como a sra. lida com a reverência que sempre lhe é feita de
"rainha do suspense"? Qual sua relação com as gerações anteriores
dessa nobreza, como Agatha Christie, por exemplo?
James - Eu não considero Agatha Christie uma romancista
maior, mas ela foi uma mestra do
mistério e seus engenhosos livros
deram prazer, entretenimento e
até conforto para milhões de pessoas em todo o mundo. Esse é um
feito considerável.
Folha - A sra. tem livros publicados em muitos países com realidades bem diferentes da inglesa. Como a sra. acha que o público de um
país como o Brasil, que tem experimentado um contato intenso com a
violência, tende a recepcionar uma
obra como a sua?
James - Eu me interesso muito
pelo que há em comum entre leitores de minhas obras que vivem
em países muito diferentes. Mas
não acredito que fatores como a
violência que eles possam encontrar em seus cotidianos influencie
o modo como recepcionam minha obra. Acho que de maneira
geral enxergam o que faço como
uma obra de mistério genuína
que é bem escrita e que pode ser
tratada como um romance sério.
Esse me parece o julgamento de
leitores sagazes de todos os países.
Folha - No Brasil é muito popular
a brincadeira de que o mordomo é
sempre o culpado em tramas de
mistério. A sra., como escritora de
suspense, acha que é possível fazer
um livro desse gênero com um mordomo culpado?
James - Eu nunca escrevi um livro com um mordomo culpado.
Acho que isso seria um bocado difícil. Não porque as pessoas fossem desconfiar logo de cara da falta de inocência do mordomo, mas porque escrevo livros calcados na realidade inglesa, e ninguém hoje na Inglaterra tem condições econômicas de ter um mordomo.
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