São Paulo, segunda, 18 de maio de 1998

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Livro devassa bastidores da Globo

Paulo Cesar Ferreira, ex-sócio de Roberto Marinho, lança"Pilares Via Satélite - Da Rádio Nacional à Rede Globo',obra que descreve o que acontecia fora do ar durante operíodo de ascensão da maior emissora de TV brasileira
MARIO CESAR CARVALHO

da Reportagem Local

Paulo Cesar Ferreira foi funcionário da direção da Globo por 21 anos e sócio de Roberto Marinho na Net do Rio até 1996, quando vendeu sua parte por US$ 25 milhões. Subserviência seria tudo que poderia se esperar de um livro dele sobre a Globo. Ledo engano. Sob a aparência de um despretensioso livro de memórias, Ferreira devassa os bastidores da Globo, com revelações espocando aqui e ali como bombas. Quer ver três delas?

Ele sugere que a Globo contrabandeou equipamentos nos anos 70 para enviar seus sinais para o interior de São Paulo;

Diz que, em 1969, Roberto Marinho contou com a ajuda do então ministro da Fazenda, Delfim Netto, para obter os US$ 3,85 milhões com os quais compraria a participação da Time-Life na Globo. A versão contraria a do presidente das Organizações Globo, que nega ter recebido ajuda dos governos militares para construir a rede de televisão;

Segundo Ferreira, o Padrão Globo de Qualidade, orgulho máximo da emissora, foi imposto pelos militares depois que a rede exagerou nas baixarias que colocava no ar no início da década de 70.
Roberto Irineu Marinho, vice-presidente de operações da Globo, José Bonifácio de Oliveira Sobrinho (Boni), vice-presidente da emissora até o ano passado e consultor atualmente, e o deputado Delfim Netto (PPB-SP) têm outras versões para esses três episódios (leia texto à pág. 5-5).
"Pilares Via Satélite - Da Rádio Nacional à Rede Globo", livro de Ferreira que está chegando esta semana às livrarias, narra a ascensão de um garoto que nasceu numa casa com teto de zinco e piso de terra no subúrbio do Rio e chegou a sócio de Marinho.
O pulo do office-boy a radialista, do radialista a jornalista e do jornalista a executivo da Globo, porém, é o que menos interessa. O que atrai no livro é a visão de Ferreira sobre os bastidores da Globo, na qual a imagem do império triunfal é substituída pelo caos.

O cortiço
Sala para trabalhar? João Araújo sequer tinha uma quando foi encarregado de criar a Som Livre, o braço musical da Globo. Tinha de trabalhar no refeitório, no intervalo das refeições.
Banheiro para gravações externas também não havia. Tanto que a atriz Glória Menezes quase foi picada por uma cobra quando fazia xixi no mato durante a gravação de uma novela.
Antes do Carnaval, figurinos da Globo eram pilhados por funcionários e transformados em fantasias. Segundo Ferreira, entrava quem queria na emissora. Sobre a sede da Globo nos anos 70, ele diz: "Estava à beira do colapso. O tal prédio de três andares, aclamado como o edifício do ano 2000 dez anos antes, parecia um cortiço".
Ferreira parte dessas miudezas para avançar sobre o núcleo do poder na Globo e suas relações com o regime militar (1964-1985).
Delfim Netto, ministro da Fazenda do governo Costa e Silva (1967-1969), é apresentado no livro como um interlocutor frequente de Roberto Marinho.
É a ele que Marinho teria recorrido em 1969, quando o acordo com a Time-Life tornou-se insustentável por ser irregular e o empresário decidiu comprar a parte dos americanos na emissora. O acordo era irregular porque a lei vetava o capital estrangeiro em meios de comunicação.
Delfim Netto teria intercedido junto ao Banco do Estado da Guanabara para Marinho conseguir a verba, segundo o autor.
Delfim também teria ajudado Roberto Irineu Marinho, diretor da Rio Gráfica na década de 70, num momento de dificuldade.
Ferreira conta no livro que Irineu Marinho procurou Delfim em 1969 para que a impressão de formulários do Imposto de Renda, um monopólio da Editora Bloch à época, também fossem impressos pela gráfica da Globo.
Delfim Netto confirma o encontro, mas diz que a Rio Gráfica venceu uma concorrência para imprimir os formulários junto com a Bloch e a Editora Abril, versão idêntica à de Irineu Marinho.
A intimidade dos militares com a Globo era tanta que havia dentro da emissora no Rio um "assessor militar", conta Ferreira, chamado Edgardo Manoel Erichsen.
Era ele quem cuidava do patrocínio dos programas que bajulavam os militares, como "Amaral Neto, o Repórter", Olimpíadas do Exército e festas da Independência.


Livro: Pilares Via Satélite - Da Rádio Nacional à Rede Globo
Autor: Paulo Cesar Ferreira
Lançamento: Rocco
Quanto: R$ 25 (248 págs.)




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