UOL


São Paulo, quarta-feira, 18 de junho de 2003

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

OUTRA FREQUÊNCIA

Governo discute se programa para índios é ilegal

LAURA MATTOS
DA REPORTAGEM LOCAL

Um programa de FM dirigido a índios e outros moradores da fronteira do Brasil com o Paraguai, no Mato Grosso do Sul, corre o risco de ser considerado ilegal pelo governo federal.
Transmitida em nheengatu (segundo o dicionário Aurélio, língua que se originou do tupi), a atração pode ser enquadrada numa lei de 1963 que proíbe veiculações em língua estrangeira. Pela regra, só emissoras de ondas curtas podem operar com outros idiomas, mediante autorização do Ministério das Comunicações.
Mistura de termos indígenas com espanhol e português, o nheengatu originou-se do período da colonização brasileira. Calcula-se que seja utilizado por cerca de 370 mil pessoas no MS.
A essa população é dirigido "Nheengatu", programa da FM educativa de Campo Grande que vai ao ar três vez por semana e tem estréia marcada na TVE do Estado em agosto.
Sua sobrevivência no rádio e migração para a televisão são objetos agora da seguinte análise, em curso no ministério: essa é ou não uma língua "estrangeira"?
O processo interno foi aberto pela pasta em decorrência de uma notificação recebida do escritório da Anatel (Agência Nacional das Telecomunicações) em Campo Grande. Segundo a assessoria da agência, o comunicado foi enviado em agosto de 2002, informando a existência de um programa em "idioma diferenciado, com guarani e espanhol". Responsável pela fiscalização, a Anatel questionava se o caso deveria ou não ser enquadrado na proibição legal.
"Além de tantos crimes históricos contra os índios, querem cometer mais um", afirmou Bosco Martins, presidente da FM e da TVE, que recebeu do ministério solicitação para encaminhar informações sobre o programa.
"O nheengatu foi proibido por D. João 4º, em 1727, que queria oficializar o português. Hoje, permanece vivo como uma forma de resistência cultural", afirma Marlei Sigrist, professora de cultura brasileira da Universidade Federal do MS, que desenvolveu um estudo sobre o programa.
"Queremos obter mais detalhes sobre essa língua para saber se é ou não estrangeira e se o programa está transgredindo a lei. Vamos trabalhar com cautela porque não temos a idéia de tirar o programa do ar", disse à Folha Antônio Armando Moreira, que acompanha o caso no ministério.
Para Marcos Bitelli, especialista em leis de radiodifusão, o "Nheengatu" não pode ser proibido. "A lei que estabelece restrições a irradiações em idioma estrangeiro não pode ser aplicada ao nheengatu, que era a principal língua brasileira na colonização."

laura@folhasp.com.br


Texto Anterior: Mônica Bergamo
Próximo Texto: Nova dimensão
Índice


UOL
Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.