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Livro investiga os conflitos de escritores jornalistas em cem anos de imprensa e literatura brasileiras
Linhas incertas
EDUARDO SIMÕES
DA REPORTAGEM LOCAL
Em 1904, o jornalista João do
Rio fez uma enquete com intelectuais brasileiros para a "Gazetas
de Notícias", cinco perguntas enviadas a cem pessoas. Apenas 36
toparam participar daquele painel da intelligentsia brasileira da
virada do século 20, 11 entrevistados pessoalmente, 25 por carta,
reunidos depois no livro "O Momento Literário". O enfoque era a
influência do jornalismo na literatura. O resultado: dez achavam
que o ofício prejudicava a vocação
literária; 11 disseram que era favorável, outros 11 ponderaram que
tanto ajudava quanto atrapalhava; três não quiseram responder e
um não entendeu a pergunta.
Cerca de cem anos depois, a jornalista Cristiane Costa se viu
diante das mesmas questões que
incomodavam João do Rio. Em
2000, Costa trabalhava como editora do "Idéias", suplemento de
literatura do "Jornal do Brasil"
quando, ao final do fechamento
de mais uma edição, entabulou
uma conversa com colegas veteranos que estavam na redação,
sobre escritores que ali passaram.
Surgia "Pena de Aluguel" (que a
Cia. das Letras lança no dia 27), livro em que Costa investiga a relação das letras com o jornalismo
em cinco diferentes momentos
históricos e amplia a enquete original, levando-a a 32 escritores
jornalistas contemporâneos.
Dicotomias como "arte x mercado", "linguagem condicionada
x linguagem criativa" e "tempo x
dinheiro" se repetem ao longo de
cem anos de literatura e jornalismo brasileiros, de Olavo Bilac e
Machado de Assis (nos primórdios) a Bernardo Carvalho (hoje),
passando por Graciliano Ramos
(na modernidade) e José Louzeiro
(no "boom" dos jornalistas escritores dos anos 60 aos 80).
Mas, afinal, o jornalismo é bom
para a literatura brasileira?
"Nunca achei que ia responder
definitivamente à pergunta, porque cada um responde de modo
diferente, dependendo do momento. Bilac, por exemplo, entra
em contradição, com opiniões diferentes ao longo de dez anos. Já
para Nelson Rodrigues sempre foi
bom", pondera Costa.
O livro deixa em aberto a questão, mas acresce as peculiaridades
da relação jornalismo versus literatura de cada período. Bilac é
exemplo de escritor com presença
tanto na imprensa quanto na produção literária, quando a profissionalização para o texto jornalístico despontava pela primeira vez
como antagônica ao ideal de arte
pura. Adiante, a autora lembra
como Machado de Assis, 20 anos
depois de dar os primeiros passos
na imprensa, como tipógrafo e revisor, lançou "Memórias Póstumas de Brás Cubas".
"Afinal, de que forma um jovem
mulato, pobre, órfão e epiléptico
poderia se firmar como o maior
escritor brasileiro de uma sociedade escravagista? Entrando nos
salões da literatura pela porta de
serviço: o jornalismo", argumenta Costa em seu livro, citando Machado como exemplo bem-sucedido de ascensão do jornalista ao
céu dos literatos.
Nos dois períodos seguintes,
Costa diz ter identificado os momentos de maior otimismo na relação entre imprensa e letras. Graciliano Ramos e Carlos Drummond de Andrade entendiam o
realismo e a linguagem despojada
do texto jornalístico como importante contribuição do campo para
as letras brasileiras. Para Graciliano, um exemplo da nova literatura era a descrição quase jornalística de "Suor", de Jorge Amado.
"Esse amor à verdade, às vezes
prejudicial a um romancista, pois
pode fazer-nos crer que lhe falta
imaginação, dá a certas páginas
de "Suor" um ar de reportagem",
diz o escritor, citado no livro.
Das décadas de 60, 70 e 80, Costa ressalta o jornalista como protagonista na literatura, ao lado do
padre e do guerrilheiro. Os três tipos representavam a missão dos
jornalistas, então censurados, que
usavam a literatura para informar. "A partir dos anos 60, o jornalismo leva para a literatura uma
conexão muito forte com a realidade brasileira", aponta Costa.
No último período, que vai até
2004, a autora identificou uma inversão de valores: mais do que o
sonho de todo jornalista de se tornar escritor chama a atenção o sucesso de livros não-ficcionais, de
escritores jornalistas como Elio
Gaspari e Fernando Morais.
Pena de Aluguel
Autora: Cristiane Costa
Editora: Companhia das Letras
Quanto: (R$ 49)
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