São Paulo, sábado, 18 de junho de 2005

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Livro investiga os conflitos de escritores jornalistas em cem anos de imprensa e literatura brasileiras

Linhas incertas

EDUARDO SIMÕES
DA REPORTAGEM LOCAL

Em 1904, o jornalista João do Rio fez uma enquete com intelectuais brasileiros para a "Gazetas de Notícias", cinco perguntas enviadas a cem pessoas. Apenas 36 toparam participar daquele painel da intelligentsia brasileira da virada do século 20, 11 entrevistados pessoalmente, 25 por carta, reunidos depois no livro "O Momento Literário". O enfoque era a influência do jornalismo na literatura. O resultado: dez achavam que o ofício prejudicava a vocação literária; 11 disseram que era favorável, outros 11 ponderaram que tanto ajudava quanto atrapalhava; três não quiseram responder e um não entendeu a pergunta.
Cerca de cem anos depois, a jornalista Cristiane Costa se viu diante das mesmas questões que incomodavam João do Rio. Em 2000, Costa trabalhava como editora do "Idéias", suplemento de literatura do "Jornal do Brasil" quando, ao final do fechamento de mais uma edição, entabulou uma conversa com colegas veteranos que estavam na redação, sobre escritores que ali passaram. Surgia "Pena de Aluguel" (que a Cia. das Letras lança no dia 27), livro em que Costa investiga a relação das letras com o jornalismo em cinco diferentes momentos históricos e amplia a enquete original, levando-a a 32 escritores jornalistas contemporâneos.
Dicotomias como "arte x mercado", "linguagem condicionada x linguagem criativa" e "tempo x dinheiro" se repetem ao longo de cem anos de literatura e jornalismo brasileiros, de Olavo Bilac e Machado de Assis (nos primórdios) a Bernardo Carvalho (hoje), passando por Graciliano Ramos (na modernidade) e José Louzeiro (no "boom" dos jornalistas escritores dos anos 60 aos 80).
Mas, afinal, o jornalismo é bom para a literatura brasileira?
"Nunca achei que ia responder definitivamente à pergunta, porque cada um responde de modo diferente, dependendo do momento. Bilac, por exemplo, entra em contradição, com opiniões diferentes ao longo de dez anos. Já para Nelson Rodrigues sempre foi bom", pondera Costa.
O livro deixa em aberto a questão, mas acresce as peculiaridades da relação jornalismo versus literatura de cada período. Bilac é exemplo de escritor com presença tanto na imprensa quanto na produção literária, quando a profissionalização para o texto jornalístico despontava pela primeira vez como antagônica ao ideal de arte pura. Adiante, a autora lembra como Machado de Assis, 20 anos depois de dar os primeiros passos na imprensa, como tipógrafo e revisor, lançou "Memórias Póstumas de Brás Cubas".
"Afinal, de que forma um jovem mulato, pobre, órfão e epiléptico poderia se firmar como o maior escritor brasileiro de uma sociedade escravagista? Entrando nos salões da literatura pela porta de serviço: o jornalismo", argumenta Costa em seu livro, citando Machado como exemplo bem-sucedido de ascensão do jornalista ao céu dos literatos.
Nos dois períodos seguintes, Costa diz ter identificado os momentos de maior otimismo na relação entre imprensa e letras. Graciliano Ramos e Carlos Drummond de Andrade entendiam o realismo e a linguagem despojada do texto jornalístico como importante contribuição do campo para as letras brasileiras. Para Graciliano, um exemplo da nova literatura era a descrição quase jornalística de "Suor", de Jorge Amado. "Esse amor à verdade, às vezes prejudicial a um romancista, pois pode fazer-nos crer que lhe falta imaginação, dá a certas páginas de "Suor" um ar de reportagem", diz o escritor, citado no livro.
Das décadas de 60, 70 e 80, Costa ressalta o jornalista como protagonista na literatura, ao lado do padre e do guerrilheiro. Os três tipos representavam a missão dos jornalistas, então censurados, que usavam a literatura para informar. "A partir dos anos 60, o jornalismo leva para a literatura uma conexão muito forte com a realidade brasileira", aponta Costa.
No último período, que vai até 2004, a autora identificou uma inversão de valores: mais do que o sonho de todo jornalista de se tornar escritor chama a atenção o sucesso de livros não-ficcionais, de escritores jornalistas como Elio Gaspari e Fernando Morais.


Pena de Aluguel
Autora:
Cristiane Costa
Editora: Companhia das Letras
Quanto: (R$ 49)


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