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LIVROS
BIOGRAFIA
Livro que deu origem ao filme "Mar Adentro" reúne cartas e poemas
Sem rodeios, Sampedro defende direito de morrer
SYLVIA COLOMBO
EDITORA DO FOLHATEEN
Árdua a tarefa de avaliar e
outorgar estrelas para alguém que não queria, sequer,
existir. Ter o livro analisado do
ponto de vista literário estava longe dos anseios de Ramón Sampedro, o espanhol tetraplégico que
escreveu "Cartas do Inferno" não
para ser um livro de ensaio ou de
poesia (apesar de conter ambos),
mas para ser usado como um instrumento, político e pessoal, na
defesa do direito de morrer.
Sampedro nasceu na Galícia,
em 1943, e vivia num vilarejo à
beira-mar. Aos 22, subiu a bordo
de um navio mercante e viajou
pelo mundo. As lembranças desse
giro o ajudariam a preencher a
mente de imagens depois que seu
corpo parasse de funcionar.
Em 1968, com 25 anos, pulou no
mar de uma pedra, bateu a cabeça
na areia e quebrou a sétima vértebra cervical, ficando paralisado
para sempre. "Sou uma cabeça viva em um corpo morto", passaria
a se definir a partir de então.
Por 30 anos, Sampedro lutou
pela eutanásia. Sua causa foi levada a tribunais na Espanha que a
rejeitaram porque, pelas leis do
país, a pessoa que o ajudasse seria
acusada de homicídio.
Em 1998, Sampedro planejou
escondido sua morte, com o auxílio de uma amiga que lhe deu cianureto. Para não incriminá-la, o
veneno foi colocado num copo
com um canudo ao lado dele. Numa ação que foi filmada, fez questão de mostrar que era ele, sozinho, quem trazia o canudo à boca.
Recentemente, a mão que o auxiliou foi identificada -e inocentada pela Justiça. Tratava-se de
Ramona Maneiro, mulher com
quem estabeleceu um vínculo forte após o acidente. Na versão de
sua história levada ao cinema por
Alejandro Amenábar, essa mulher é a personagem Rosa.
É de Amenábar, inclusive, o
prólogo desta edição. O cineasta
chileno-espanhol diz ter se baseado "filosoficamente" no livro para
fazer "Mar Adentro", com Javier
Bardem na pele do galego.
"Cartas do Inferno" traz missivas que Sampedro escreveu aos
que tentaram seduzi-lo a mudar
de idéia. Argumentava que, desde
o acidente, seu corpo buscava um
novo equilíbrio, que só existiria
quando ele morresse. Reforçava
que não estava desesperado e que
sua ponderação era racional.
Recebia cartas de mulheres e de
outros paralíticos. Com as mulheres, era galanteador, mas repudiava o que considerava um exercício de um instinto maternal egoísta. Com os deficientes, era duro:
"Toda pessoa mais equilibrada
psíquica e fisicamente tem mais
medo de ficar como o senhor e eu
do que de morrer".
No Brasil, não se acompanhou o
drama de Sampedro como no
mundo hispânico. Hábil em sua
campanha por meio das palavras
que escrevia com uma esferográfica entre os dentes, fez com que
sua luta ganhasse jornais e TVs na
forma de uma novela seguida por
multidões e que culminou com o
vídeo caseiro em que seus últimos
momentos ficaram registrados.
Se o filme de Amenábar retrata
um personagem irônico e doce,
conduzindo o público a torcer para que desistisse da morte, o livro
revela um Sampedro nada sentimental e muito seguro, que não se
intimidou diante de opiniões daqueles que, reconhecia, tinham
mais formação intelectual do que
ele, um homem pouco letrado.
Interessava-o que sua causa fosse conhecida e discutida. O fato de
seu livro virar notícia e receber resenhas em jornais pelo mundo é
sinal de que Ramón Sampedro
atingiu seu objetivo.
Quantas estrelas isso vale?
Cartas do Inferno
Autor: Ramón Sampedro
Tradução: Lea P. Zylberlicht
Editora: Planeta
Quanto: R$ 35 (278 págs.)
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