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FERREIRA GULLAR
Companheiro é companheiro
Como Bruno Maranhão pisou na bola, o Partido dos Trabalhadores faz de conta que o puniu
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A SENSAÇÃO que tenho, em face
do quadro político nacional, é
de estar assistindo a uma
grande farsa. O espetáculo das CPIs
foi deprimente, embora tenha servido para nos mostrar personagens
farsescos, travestidos de deputados
e senadores da República, às vezes
de uma indigência intelectual rara.
Como se não bastasse o escândalo
do mensalão, envolvendo altas figuras do governo e seu partido, além
de parlamentares e dirigentes de outros partidos, estouraram os escândalos do combustível e, em seguida,
o dos sanguessugas. Muita notícia,
muito discurso, muita indignação
mentirosa e, no fim, a impunidade.
Tem-se a impressão de que o país foi
tomado de assalto por várias quadrilhas que ocupam todo o aparelho do
Estado. E, no centro do palco, está o
presidente da República.
Pelo cargo que ocupa, pelo peso de
sua presença, é ele o protagonista da
grande comédia. Depois de passar
mais de 20 anos vociferando contra
a política decrépita e corrupta que
imperava no país, transformou-se
subitamente no "Lulinha paz e
amor", sorridente, compreensivo,
pai de todos: dos sem-terra, dos
com-terra, dos com-banco... Esperto como poucos, joga em todas as
posições ao mesmo tempo, finge que
governa e discursa, discursa. Ao assumir o governo, o Brasil ainda não
havia começado: ele criou tudo.
Lembram-se do seu primeiro ministério, o melhor que já houve no
mundo? Afora uns poucos ministros
que não são do PT, todos os outros já
rodaram. Imaginem se fosse o pior!
Mas o que me faz voltar a falar de
novo do Lula e do PT é esse fato inusitado que foi a invasão do prédio do
Congresso Nacional pela turba do
MLST. Com que fúria quebraram
tudo o que encontraram pela frente!
E com que propósito? Esta é a questão: por que fizeram aquilo?
Vamos examinar: o chefe do
MLST é Bruno Maranhão, membro
da Executiva do PT e secretário nacional de Movimentos Populares do
partido. Não se trata, portanto, de
um militante qualquer. Ele também
liderou, não faz muito tempo, a ocupação do Ministério da Fazenda e
logo depois embolsou grana do governo e foi recebido em audiência
por Lula. Numa visita do presidente
a Pernambuco, Bruno Maranhão,
como membro da Executiva petista,
lá estava ao lado de seu líder. Então,
esse é o homem que projetou e realizou o ato de vandalismo no Congresso Nacional? Mas ele é alta figura do partido do governo e o responsável pelos movimentos sociais do
PT. Como é possível? Terá feito isso
por decisão própria, contra toda a
orientação política do partido a cuja
direção pertence? Custa crer.
Não estou afirmando nada, mas,
se todo mundo sabe quem é Bruno
Maranhão e conhece o radicalismo
do MLST, que ele dirige, só o PT e o
Lula não sabem? Claro que sabem.
E, então, por que o mantiveram como membro da direção do partido?
O PT age sem contemplação quando
se trata de se defender, e isso de longa data: vacilou, dançou. Muitas figuras ilustres foram expulsas por terem contrariado decisões da direção, já os envolvidos com o mensalão acabam de ser lançados candidatos pelo partido. Logo, se Bruno Maranhão foi mantido como dirigente,
durante todos esses anos, é que suas
ações não contrariavam a orientação do partido; na verdade, de algum
modo, serviam a ele.
Se não me engano, foi Tarso Genro quem disse que a oposição só
não pediu o impeachment de Lula
por temer a reação dos movimentos
sociais. Essa afirmação sugere que
esses movimentos são uma arma
que os petistas exibem para intimidar os adversários e impedir decisões legais que ameacem o governo?
Não é que tudo isso faça parte de
um plano, mas configura um partido
eclético que se vale, oportunistamente, do radicalismo e da confusão
ideológica. Sempre foram muitas as
tendências divergentes dentro do
PT, e Lula sempre fez o possível para
mantê-las juntas, ainda que em conflito, sendo ele o fator de unidade.
Como resultante lógica destes dados e fatos, talvez se tenha uma resposta para aquela pergunta que formulei acima: o que pretendia o
MLST com a invasão do Congresso
Nacional? Não seria talvez intimidá-lo? Trata-se apenas de uma hipótese, mas não absurda, se se leva em
conta que, com o fim do mensalão,
tornou-se muito difícil para o governo ganhar votações no parlamento.
Para todos os efeitos, Lula não
manda no MLST, apenas o financia
e o deixa agir. O objetivo é mostrar
que os movimentos sociais só não
acabam com essa democracia de fachada porque Lula a garante. Como
Bruno Maranhão pisou na bola, o
PT faz de conta que o puniu, pois, como se sabe, companheiro é sempre
companheiro.
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