São Paulo, sábado, 18 de junho de 2011 |
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice | Comunicar Erros
CRÍTICA ROMANCE "Notre-Dame de Paris" traz fabulação do erotismo contrariado Escrito em 1831, quando Victor Hugo tinha 29 anos, livro com história do corcunda monstruoso é relançado ALCINO LEITE NETO EDITOR DA PUBLIFOLHA É muito conhecida a história do corcunda de Notre-Dame, contada em filmes, musicais e até desenhos. Mas quantos leram "Notre-Dame de Paris", o livro que deu origem a esta que é uma das mais fascinantes narrativas ocidentais: a paixão do monstruoso Quasímodo por Esmeralda, a sensual adolescente cigana? Publicado em 1831, quando Victor Hugo tinha 29 anos, o romance acaba de ser relançado no Brasil, em competente tradução. São mais de 500 páginas que devoramos com emoção, espanto e um pouco de ironia por causa de seus exageros, eloquências e artifícios narrativos absurdos, que desafiam toda credulidade. Balzac foi bastante severo a respeito da obra: "É um dilúvio de mau gosto". Goethe também foi impiedoso: "É o livro mais abominável jamais escrito". As polêmicas nunca cessaram sobre a obra. No entanto, não seria "Notre-Dame de Paris" se não o melhor, o mais fascinante dos romances de Victor Hugo, justamente por ser o mais irregular, livre, extravagante, alucinado, em poucas palavras: o mais monstruoso? Monstruosidade de uma escrita que, a pretexto de criar um romance histórico, se realiza desmesuradamente como ensaio urbanístico (sobre a Paris de 1482), libelo pela preservação do patrimônio arquitetônico (medieval), elogio da liberdade ("Toda a civilização começa pela teocracia e acaba na democracia"), ataque anticlerical, sátira da monarquia, folhetim sentimental -e, sobretudo, como fabulação a respeito do erotismo contrariado. PAIXÃO FURIOSA Quatro homens rondam Esmeralda, entre eles, o monsenhor Frollo e o horroroso Quasímodo. Asceta e alquimista, Frollo desenvolve por ela um tesão incontrolável, ao ponto de negar Deus e mergulhar na abjeção e no crime. Criado longe da sociedade, Quasímodo seria uma eterna criança a brincar com os sinos de Notre-Dame, não houvesse encontrado Esmeralda. Confrontado com o seu desejo pela cigana, o corcunda toma consciência de sua tragédia: a impossibilidade de ser amado. Seus lamentos são passagens sublimes. "Eu sou qualquer coisa assustadora, nem homem nem animal... Minha desgraça é que ainda me pareça muito com um homem", diz ele. E, mirando uma escultura, chora: "Oh! Por que não sou de pedra como você?". Em Frollo, a rejeição de Esmeralda desencadeia uma vertigem niilista, de destruição de si mesmo e do próprio objeto do amor. Em Quasímodo, por outro lado, a paixão desenvolve uma furiosa vontade de se livrar do muito pouco que ainda o liga à "humanidade" -e tornar-se animal, ou tornar-se pedra, a fim de ao menos ser contemplado sem repugnância pela pessoa amada. Vale a pena ler este romance do tempo em que a literatura ainda era capaz de produzir mitos. NOTRE-DAME DE PARIS AUTOR Victor Hugo EDITORA Estação Liberdade TRADUÇÃO Ana de Alencar e Marcelo Diniz QUANTO R$ 69,80 (584 págs.) AVALIAÇÃO ótimo Texto Anterior: Crítica/História: Livro traça apaixonante retrato da sexualidade brasileira Próximo Texto: Literatura 1: Cinzas de Saramago são enterradas à beira do Tejo 1 ano após sua morte Índice | Comunicar Erros |
Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress. |