São Paulo, sábado, 18 de junho de 2011 |
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CRÍTICA ROMANCE "A Pianista" disseca o lado insuportável do amor e do sexo NOEMI JAFFE COLABORAÇÃO PARA A FOLHA O discurso indireto livre, em que mal se pode distinguir o pensamento do personagem daquele do narrador, é mesmo o mais eficaz para denotar a crueldade. Como o leitor pode ter certeza da imparcialidade do personagem ou até mesmo do narrador? Só o discurso indireto livre consegue essa façanha, de estar dentro e fora ao mesmo tempo. Pois "A Pianista", romance de Elfriede Jelinek, vencedora do Prêmio Nobel, é tão carregado desse recurso que nunca sabemos exatamente quem é o portador do pensamento, que, compartilhado por dois, fica mais potente. Não há concessões de nenhuma espécie. Nem na linguagem, que atinge as raias do insuportável com frases curtas, contidas e mecanicistas, nem no objeto abordado -a arte, a maternidade, o amor e o sexo. Poucas vezes o tal amor inquestionável, o amor materno, foi tão finamente dissecado, a ponto de se tornar quase um símile do que pode haver de mais insuportável. E a arte, a arte de Beethoven (1770-1827) e Schubert (1797-1828), que, num país como a Áustria, carrega o peso do passado e da competição, também se torna um parafuso na engrenagem da burocracia: um fardo. "A filha é o ídolo da mãe, que, em troca, exige um pequeno pagamento, sua vida." A filha, pianista excelente, mas nunca o suficiente, não se torna uma solista, mas apenas professora. E sua vida, aquela com a qual ela paga o sacrifício da mãe, vai sendo lentamente cortada com lâminas de barbear sobre seu próprio corpo. Cortar-se e observar homens se masturbarem são seus únicos "prazeres", até que um rapaz atlético se interessa por ela, não por amor, mas por curiosidade, e ela, na impossibilidade de amar, quer ser torturada por ele. De forma estranha, mas compreensível, sexo e música adquirem laços e um alimenta o outro. No final, se tudo existe em nome da vitória, não há o que ganhar. Ela, a exigência, quer tudo, e tudo não há como oferecer. A PIANISTA AUTORA Elfriede Jelinek EDITORA Tordesilhas TRADUÇÃO Luis S. Krausz QUANTO R$ 49,50 (336 págs.) AVALIAÇÃO ótimo Texto Anterior: Amor materno é "um país cinzento e cruel", diz Nobel Próximo Texto: Crítica/Romance: Emma Donoghue reduz o mundo a um pequeno quarto Índice | Comunicar Erros |
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