|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
Crítica/"Nome Próprio"
Longa faz ensaio entre o virtual e o real
Inspirada na escritora Clarah Averbuck, Leandra Leal se destaca como blogueira em crise no filme de Murilo Salles
JOSÉ GERALDO COUTO
COLUNISTA DA FOLHA
Inspirado livremente em
livros da escritora e blogueira Clarah Averbuck,
"Nome Próprio" não é, como
poderia parecer à primeira vista, um filme "sobre a internet",
e menos ainda um "retrato da
geração atual".
O que é, então? Uma porção
de coisas, mas sobretudo um
ensaio em torno do trânsito
-ou do hiato- entre o virtual e
o real, entre a palavra e a carne.
Camila (Leandra Leal) mantém um blog em que expressa
literariamente suas angústias,
seus devaneios, suas reflexões.
Sua subjetividade, em suma.
Mas Camila, antes de tudo, é
uma mulher em crise permanente. Vive num equilíbrio frágil entre o afeto e a solidão, o
hedonismo e a penúria material, a altivez agressiva e a carência mais abjeta.
Vive aos tombos, e não é casual que role por uma escada
numa cena vital.
Tudo na personagem é intenso, exacerbado: o modo como
exerce sua sexualidade, a aspereza no trato com os outros, a
compulsão em escrever, o uso
obsessivo de drogas (álcool, cigarro, comprimidos). Murilo
Salles mostra essa personagem
como um corpo lançado no
mundo.
Já a primeira cena nos situa
nesse estado de desamparo.
Uma ágil câmera na mão (operada pelo próprio diretor) registra o violento despejo de Camila do apartamento do namorado, a quem, conforme saberemos depois, ela traiu com um
desconhecido.
O rapaz arranca roupas do
armário, soca-as numa mala,
junta em caixas computador,
CDs, bijuterias e objetos vários,
arrasta tudo aos chutes até a
porta da saída. Em meio a essa
ação frenética, vemos Camila
encolhida num canto, em lágrimas, nua.
Mas a protagonista não cabe
no papel de vítima, e logo vemos sua reação igualmente violenta à brutalidade. Tapas,
ofensas, palavrões, uma coisa
horrível de se ver.
Relação com a água
Murilo Salles "cola" em sua
personagem, assume integralmente o seu ponto de vista, mas
não apara suas arestas, não atenua o que ela tem de intratável
e de desagradável. Em outras
palavras, não facilita a identificação do público com ela.
Um modo possível de se
aproximar da personagem é
atentar para seus banhos, que
revelam as oscilações de seu estado material e psíquico. Lavando-se na pia do banheiro de
uma lan house, sentada bêbada
e vestida sob a ducha do apartamento, ensaboando-se no box
com o novo namorado, quase se
afogando no mar à noite, Camila se expõe inteira em sua relação com a água.
Pode-se não gostar de "Nome
Próprio", mas duas afirmações
se impõem: Murilo Salles (trabalhando aqui com o digital)
filma bem como poucos e Leandra Leal tem uma atuação literalmente assombrosa.
NOME PRÓPRIO
Produção: Brasil, 2007
Direção: Murilo Salles
Com: Leandra Leal, Juliano Cazarré
Onde: em cartaz no Espaço Unibanco Augusta e Frei Caneca Arteplex
Classificação indicativa: não recomendado para menores de 18 anos
Avaliação: bom
Texto Anterior: Diva Ludivine Sagnier se acha "comum" Próximo Texto: Masp destaca inovações renascentistas em mostra Índice
|