São Paulo, sexta-feira, 18 de julho de 2008

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Crítica/"Nome Próprio"

Longa faz ensaio entre o virtual e o real

Inspirada na escritora Clarah Averbuck, Leandra Leal se destaca como blogueira em crise no filme de Murilo Salles

JOSÉ GERALDO COUTO
COLUNISTA DA FOLHA

Inspirado livremente em livros da escritora e blogueira Clarah Averbuck, "Nome Próprio" não é, como poderia parecer à primeira vista, um filme "sobre a internet", e menos ainda um "retrato da geração atual". O que é, então? Uma porção de coisas, mas sobretudo um ensaio em torno do trânsito -ou do hiato- entre o virtual e o real, entre a palavra e a carne. Camila (Leandra Leal) mantém um blog em que expressa literariamente suas angústias, seus devaneios, suas reflexões. Sua subjetividade, em suma. Mas Camila, antes de tudo, é uma mulher em crise permanente. Vive num equilíbrio frágil entre o afeto e a solidão, o hedonismo e a penúria material, a altivez agressiva e a carência mais abjeta. Vive aos tombos, e não é casual que role por uma escada numa cena vital. Tudo na personagem é intenso, exacerbado: o modo como exerce sua sexualidade, a aspereza no trato com os outros, a compulsão em escrever, o uso obsessivo de drogas (álcool, cigarro, comprimidos). Murilo Salles mostra essa personagem como um corpo lançado no mundo. Já a primeira cena nos situa nesse estado de desamparo. Uma ágil câmera na mão (operada pelo próprio diretor) registra o violento despejo de Camila do apartamento do namorado, a quem, conforme saberemos depois, ela traiu com um desconhecido. O rapaz arranca roupas do armário, soca-as numa mala, junta em caixas computador, CDs, bijuterias e objetos vários, arrasta tudo aos chutes até a porta da saída. Em meio a essa ação frenética, vemos Camila encolhida num canto, em lágrimas, nua. Mas a protagonista não cabe no papel de vítima, e logo vemos sua reação igualmente violenta à brutalidade. Tapas, ofensas, palavrões, uma coisa horrível de se ver.

Relação com a água
Murilo Salles "cola" em sua personagem, assume integralmente o seu ponto de vista, mas não apara suas arestas, não atenua o que ela tem de intratável e de desagradável. Em outras palavras, não facilita a identificação do público com ela. Um modo possível de se aproximar da personagem é atentar para seus banhos, que revelam as oscilações de seu estado material e psíquico. Lavando-se na pia do banheiro de uma lan house, sentada bêbada e vestida sob a ducha do apartamento, ensaboando-se no box com o novo namorado, quase se afogando no mar à noite, Camila se expõe inteira em sua relação com a água. Pode-se não gostar de "Nome Próprio", mas duas afirmações se impõem: Murilo Salles (trabalhando aqui com o digital) filma bem como poucos e Leandra Leal tem uma atuação literalmente assombrosa.

NOME PRÓPRIO
Produção: Brasil, 2007
Direção: Murilo Salles
Com: Leandra Leal, Juliano Cazarré
Onde: em cartaz no Espaço Unibanco Augusta e Frei Caneca Arteplex
Classificação indicativa: não recomendado para menores de 18 anos
Avaliação: bom



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