São Paulo, sábado, 18 de julho de 2009

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Crítica/"A Fantástica Vida Breve de Oscar Wao"

Díaz elevou "spanglish" ao pódio das premiações literárias americanas

JOCA REINERS TERRON
ESPECIAL PARA A FOLHA

O Pulitzer de ficção recebido em 2001 por "As Incríveis Aventuras de Kavalier and Clay" (Record), de Michael Chabon, parece ter sancionado o ingrediente pop na composição de romances literários. No romance, Chabon reinventa a Nova York dos anos 40 e 50 por meio da vida de dois criadores da era de ouro dos quadrinhos, relendo o período com verve e estilo. Histórias em quadrinhos e História, assim, grafada com agá maiúsculo, também são alicerces de "A Fantástica Vida Breve de Oscar Wao", de Junot Díaz, ganhador do Pulitzer de ficção em 2008.
Tal reconhecimento pulveriza de vez (e com rajadas de raios "phaser") ideias há muito questionáveis sobre a inadequação ao romance de certos temas, como o uso de semideuses saídos dos gibis de super-heróis, por exemplo, "rebaixando" a alta cultura e revendo estratificações anacrônicas. Não contente com a revisão de normas, Junot Díaz aproveitou para temperar o inglês suburbano de Nova Jersey com pitadas macarrônicas do espanhol dialetal de imigrantes dominicanos e com o léxico precioso (para não dizer pernóstico) do vocabulário "nerd". Ao fazer isso, Díaz elevou com méritos o "spanglish" ao pódio das premiações literárias norte-americanas.
Oscar Wao seria o "nerd" típico, não fosse imigrante dominicano (afinal, "nerds" só poderiam ser pessoas brancas, é o que insinua Díaz o tempo todo), uma figura rotunda na quantidade de lipídios e também em conhecimento acumulado sobre ficção científica, fantasia, os universos Marvel e D.C. etc.

Obeso e tímido
Nada semelhante aos seus parentes estereotipados (machos com ginga e figurinos berrantes de caribenhos), Oscar é obeso, tímido e não tem o menor jeito com as mulheres, apesar de viver cercado por elas. Em suma (para ilustrar melhor), ele e Hugo "Hurley" Reyes (o divertido balofo interpretado por Jorge Garcia em "Lost") parecem ter sido separados no berço, pois conhecem "Star Wars" de trás para frente, mas quase nada sobre a natureza terráquea.
Épico familiar cujos meandros estão ligados aos sangrentos episódios da história dominicana da era Trujillo, o romance de Junot Díaz revisa a crueldade do exílio sob ótica pouco usual, que não é estritamente política.
Ao mesmo tempo em que as mulheres fantásticas da vida de Oscar (sua mãe, Belicia, e a irmã, Lola, dividem peso de igual para igual com o protagonista -distribuído, porém, em outras partes do corpo que não a cintura) sofrem as agruras da dupla marginalidade da condição feminina e de exiladas, a identidade do rapaz dilui-se na mistura adúltera de tudo da cultura pop anglófila, surgida nos anos 60 (assim como Galactus, personagem de Stan Lee citado logo na epígrafe), transformando-o no herói adequado aos dias atuais. A boa tradução de Flávia Anderson (que habilmente transforma o "spanglish" num selvagem portunhol), só corrobora essa ideia.


A FANTÁSTICA VIDA BREVE DE OSCAR WAO

Autor: Junot Díaz
Tradução: Flávia Anderson
Editora: Record
Quanto: R$ 45 (336 págs.)
Avaliação: ótimo


Texto Anterior: Frase
Próximo Texto: Trecho
Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.