São Paulo, domingo, 18 de julho de 2010

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Mônica Bergamo

bergamo@folhasp.com.br

Alegria na guerra

"Vedeta há anos", Miguel Falabella fala de um certo marasmo sexual, do cansaço do Brasil e diz que os jornalistas que o criticam deveriam "fazer faxina para viver melhor e ganhar mais"

Rafael Andrade/Folhapress
Trabalhando em duas peças, uma novela e duas séries, Falabella diz que nem todos compreendem os textos de "A Vida Alheia": "Às vezes dá vontade de ir embora"

Quem ouve Miguel Falabella, 53, falando de si mesmo, pensa que o autor, ator e diretor já está com um pé na cova. "Nem isso, meu filho", diz ele ao repórter James Cimino, sobre o fato de namorar bem pouco ultimamente. "Eu tô pensando até em tomar umas coisas pra ver se me animo."

 

Falabella desconfia que está "na andropausa". "Tive uma "vibe" sexual nos 40. Mas agora tô começando a achar estranho. Eu meio que desliguei. Dá uma caída de vez em quando. A gente vai baixando o facho. Senão, chega uma hora em que fica patético. Não sei se é uma crise de idade, de autoestima... Você já não se acha atraente o bastante. Tenho que tocar isso na terapia."

 

Fala com displicência que logo vai morrer -"é charme, né?"- e se recusa a tirar fotos na varanda de sua cobertura em Ipanema no lindo dia de sol que fazia quando recebeu convidados para um almoço. "Tenho fotofobia. Faço tanta careta no sol que minha cara vai ficar parecendo um pergaminho do mar Morto."

 

O sobrinho Cassiano chega e pergunta se pode almoçar. Entre paternal e irônico, Falabella responde: "Mas é claro! Ou você acha que vai almoçar acorrentado no quarto dos fundos pro repórter não te ver?" A cozinheira serve arroz integral, salada, frango, quiche de queijo e, de sobremesa, bolo de chocolate light, tudo com Coca-Cola, também light. Enquanto almoça e conversa efusivamente, a casa, assim como ele, continua em movimento.

 

Uma equipe de decoração começa a trabalhar na construção de um telhado de vidro na varanda do apartamento que separa a sala de jantar do escritório onde Falabella escreve seus trabalhos. No momento, ele se dedica especialmente aos textos de "A Vida Alheia", que vai ao ar nas noites de quinta-feira, na TV Globo. A série satiriza publicações que se dedicam às celebridades.
Marília Pêra interpreta Catarina, a dona de uma revista editada por Alberta Peçanha (Claudia Jimenez). As duas agem de forma pouco ética -simples suspeitas sobre famosos já viram escândalos nas páginas da publicação.

 

Recentemente, um crítico definiu o programa como "a comédia do rancor" em que Falabella se vingaria dos que o perseguem nas revistas de fofoca. "Me vingar de quê? Sou "vedeta" há anos!", diz ele, às gargalhadas. "Publicaram que eu estava com Aids em 1987. Foi horrível. Fiquei em pânico. Passou."

 

"Manda esse povo [jornalistas que o criticam] arrumar uma faxina pra fazer que vão viver melhor! E até ganhar melhor, na maioria dos casos." Certa vez, Falabella foi abordado por uma repórter. "Ela ficava: "Ai, a Grazi [Massafera] é péssima atriz, né? Nossa, é um horror"." E ele: "Minha filha, a Grazi está neste momento namorando o Cauã Reymond. E você tá aí, com essa sandalinha e com esse bloquinho na mão.
Quem tá melhor na fita?".

 

O ator diz acreditar que as críticas feitas a "Vida Alheia" ocorrem porque a atração ironiza profissionais de imprensa. "Que corporativismo é esse? Então os jornalistas são intocáveis, carmelitas descalças, aquelas clarissas em silêncio? Que coisa ginasiana!" Falabella aconselha: "Vai ler, vai estudar, vai viajar, acorda pra Jesus!".

 

Falabella admite que transfere eventualmente para a série situações que já ocorreram com ele. Certa vez, recebeu o telefonema de um jornalista avisando que uma determinada reportagem sairia "de qualquer jeito, por isso seria bom você falar". "Quando eu coloco a Alberta Peçanha na série dizendo a um entrevistado: "A capa vai sair de qualquer jeito, mas como eu sou muito ética, quero saber a sua versão", é uma ironia", diz o autor.

 

Ele jura que não lê publicações brasileiras. Só um jornal. "Leio "New Yorker", vou pra internet, vejo telejornal e leio livros. Me inspiro mais nos escândalos internacionais. São mais carnudos. Lá fora é mais feroz."

 

Ouviu rumores de que a Globo estaria insatisfeita com o Ibope da série, de 17 pontos, e que a ideia de que ela continuasse no ar por mais tempo, em segunda temporada, seria abortada.
"Nunca pensei que fosse dar 60 pontos!" Segundo ele, as pessoas não entendem o texto do programa. "A mídia dos 140 caracteres [o Twitter] te tira da concentração de uma leitura mais aprofundada.
Essa geração é dificílima. É diferente." Cansado "da sistemática perda de massa encefálica" das pessoas, ele diz que às vezes tem vontade de ir embora do país. "Devia ter feito isso quando jovem, porque daria tempo de aprender outra língua para escrever.
Mas não fiz. Agora é tarde. Já tô velho. Inês é morta, vou ficar por aqui mesmo até a hora de tomar meu rumo.

 

Falabella está em cartaz no Rio com a peça "A Gaiola das Loucas". Escreve comédia sobre uma funerária no Irajá, a "Pé na Cova". "Vou ser o marido de uma maquiadora do Senai que aplica gordura de porco na cara dos mortos e eles ficam lindos!" E acabou de entregar a sinopse de uma novela das sete, sobre uma loja, a "Comprai", inspirada na Daslu. Ela será investigada pela polícia e tentará ampliar suas instalações para o espaço de "uma comunidade de nega que tem ao lado." "Porque é das nega que a gente gosta!", diz Falabella. Duas costureiras fornecem vestidos falsificados para a butique. "O nome da grife delas é "Chinel"."

 

Quando não está nas atividades, fica no Twitter. "Entrei porque todo mundo me encheu o saco para entrar. E gostei." Responde a perguntas, bloqueia chatos, cria alteregos e conta histórias como a da prostituta que ele ajudou a negociar um programa com um estrangeiro. "Ela me deu R$ 50 e disse: "Tá todo mundo na batalha!" Não gastei. Me dá sorte." Tem 121 mil seguidores. "Você encontra gente interessante, mas a grande maioria é "me segue", "me dá um beijo". Outro dia escrevi: "Isso aqui não é ONG, ninguém vai arrumar emprego". Porque é impressionante. Todo mundo é ator. Eu vejo muito esse desespero da fuga do anonimato."

 

"Escolhi ser um artista popular", diz Falabella. "Podem falar, mas isso ninguém me tira. Eu ando em Ipanema e todos olham para mim com um sorriso."

 

Em algumas outras partes do mundo também. "Eu descendo a avenida da Liberdade, no Porto, em Portugal, para me encontrar com a Claudia Raia [eles estavam em cartaz na cidade com "Batalha de Arroz num Ringue para Dois'], à meia-noite. De repente, tinha uns negões.
Um bem grandão veio em minha direção e disse, com forte sotaque português: "És o Miguel Falabella?". Eu disse: "Sou!". Menino, esse homem me deu um abraço de urso e disse: "Sou de Angola. Nos deste tanta alegria durante a guerra!". Fiquei emocionado.
Porque aquele foi um abraço de amor. De repente, tudo se justifica. O "Sai de Baixo" [programa dominical da Globo], aquela maluquice, todas as críticas que recebi."

FALABELLA DISSE
"Eu colocaria uma mulher que namora com um homem bem mais jovem [em "A Vida Alheia"]. A Susana Vieira não é a primeira mulher que se envolveu com um homem mais jovem e se deu mal. Antes dela, várias e depois dela milhões virão."

"O André Fischer [do Mundo Mix] falou que eu e Marina Lima éramos chiques porque não ficávamos levantando bandeira [da causa gay]. Eu não quero ser ativista. Mas respeito quem quer."


"A nossa cultura ainda tem um ranço de uma esquerda radical que desemboca na ideia de que ser bem sucedido é ser uma pessoa escrota e de direita."


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