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São Paulo, segunda-feira, 18 de agosto de 2003

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Homenageado pelo 31º Festival de Gramado, que tem início hoje, Cacá Diegues comenta sua carreira de filmes e polêmicas

Cinema falado

Ana Carolina Fernandes/Folha Imagem
O cineasta Cacá Diegues na sacada de sua produtora, a Rio Vermelho, no Rio; diretor de 16 filmes, entre eles "Bye Bye, Brasil" (1979), "Xica da Silva" (1976) e o recente "Deus É Brasileiro" (2003)


SILVANA ARANTES
DA REPORTAGEM LOCAL

Com "o desejo de inventar um cinema para o país ou um país no cinema", ele se viu no set de filmagens de seu primeiro longa ("Ganga Zumba") no dia em que completou 23 anos de idade.
Desde aquele 19 de maio de 1963, Cacá Diegues concluiu 15 filmes -entre eles "Bye Bye, Brasil" (1979), "Xica da Silva" (1976) e o recente "Deus É Brasileiro" (2003)-, moldou e remoldou sua relação com público e crítica e cavou um lugar no país imaginário do cinema brasileiro e no espaço concreto do Brasil onde nasceu (Alagoas) e vive (Rio de Janeiro).
Por essa trajetória profissional de quatro décadas, o Festival de Gramado (em sua 31ª edição, que inicia hoje e vai até o dia 23) homenageia o diretor na quarta-feira, com o troféu Eduardo Abelin.
O cineasta procura encarar tributos sem pedantismo ou desdém. "Prêmios devem ser recebidos como um acidente na vida de um artista. Mas é claro que fico feliz com os prêmios internacionais que "Tieta do Agreste" e "Orfeu" ganharam."
É um comportamento de quem está habituado a frequentar as páginas da imprensa em debates ardidos. Foi Diegues quem cunhou a expressão "patrulhas ideológicas", numa entrevista dada em 1978 e rebatida por Joaquim Pedro de Andrade (1932-88), outro expoente do movimento cinemanovista.
Naquela época, Diegues combatia os "intelectuais mórbidos que não gostam da vitória, gostam da derrota" e reivindicava o direito de fazer um cinema popular, com o argumento de que "a tristeza e a seriedade são de direita, são fascistas".
Em maio deste ano o diretor voltou ao centro da polêmica, quando classificou de "dirigismo cultural" as regras de patrocínio federal no governo Lula.
Os critérios previam a exigência de contrapartida social nos projetos beneficiados e o privilégio à cultura popular. A crítica de Diegues aprofundou uma crise interministerial (entre a Secretaria de Comunicação de Governo e o Ministério da Cultura), que teve a intervenção do presidente da República para diluir-se, com a suspensão dos critérios divulgados, até que novos sejam formulados -o que ainda não ocorreu.
A discussão cindiu (mais uma vez) o meio cinematográfico brasileiro, havendo quem polemizasse com Diegues publicamente e quem o aprovasse em segredo. "Virei uma espécie de namorada que ninguém apresenta à família, o amor proibido do cinema brasileiro", diz.
A seguir, outras reflexões do cineasta sobre seus passos e idéias, feitas à Folha.
 
CINEMA NOVO - O cinema novo representa a fundação do cinema moderno no Brasil ou uma espécie de modernismo tardio que chega ao cinema. Nunca houve um discurso único entre nós. Éramos todos dissidentes de nosso próprio movimento. Embora nos influenciássemos uns aos outros, é impossível encontrar dois cineastas do cinema novo fazendo o mesmo tipo de filme.

CINEMA ATUAL - A economia do cinema se transformou no mundo inteiro. O Brasil não pode deixar de acompanhar algumas dessas mudanças, para ser atual e competitivo. Nosso cinema não pode ser condenado a viver no passado. Além disso, o compromisso de um cineasta brasileiro ético é com os miseráveis, não com a miséria.

PÚBLICO E CRÍTICA - Há certos filmes meus de que gosto muito e cujo insucesso julgo injusto. Acabo tendo por eles um carinho muito especial, como a um filho incompreendido. "Joanna Francesa" [1973], por exemplo.

O TEMPO - Não tenho nenhuma nostalgia do passado. Não quero repetir coisa alguma. Mas também não me interesso em enviar mensagens ao futuro. Não cultivo mais o mito progressista que marcou o modernismo e todo o século 20. A idade de ouro é o tempo que me foi dado a viver.

A TV - A Globo Filmes é uma iniciativa positiva da Rede Globo, mas é preciso criar um mecanismo geral que leve todas as redes e emissoras a se associarem ao cinema brasileiro, na produção, na exibição e na promoção de nossos filmes. Mas essa parceria não será nunca bem-sucedida se não atender aos interesses de ambas as partes. Nunca soube de casamento feito na delegacia que tivesse dado certo.

POLÊMICAS - Nunca calculei, nem sequer pensei no tamanho da repercussão das minhas intervenções. Quando digo algo, digo porque acho que é este o meu dever, em face do que acredito ser verdadeiro, importante e oportuno.

MILITÂNCIA - Tenho orgulho de dizer que nunca tomei a iniciativa de agredir nenhum colega meu, em meus textos e declarações. Não houve, por exemplo, nenhum duelo entre mim e Joaquim Pedro de Andrade, simplesmente porque nunca respondi ao que ele escreveu sobre mim e as "patrulhas ideológicas", por afeto e imenso respeito a ele. Se o que digo provoca tanta reação é porque deve ter sido oportuno. Vou continuar sendo assim, não sou um profissional de cinema, mas um militante dele.



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