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MÚSICA
Grupo TM+, que toca no Cultura Artística, encerrou semana MusArtS com peças de Boulez, Saariaho e Manoury
Batalhas contemporâneas pela tecnologia
ARTHUR NESTROVSKI
ARTICULISTA DA FOLHA
Nos anos heróicos da música
contemporânea, as batalhas
eram estéticas e ideológicas. A
boa luta de nomes hoje consagrados, como Boulez, Berio e Stockhausen (sem falar nos compositores do Leste, que vieram depois)
abriu caminho para outra geração, que não tem mais de se justificar. A batalha, agora, não é ideológica: é tecnológica. Veja-se o
concerto de quinta passada, que
encerrou a semana de inauguração do projeto MusArtS, com participação do IRCAM e de músicos
do TM+ (que tocam de hoje a
quarta no Cultura Artística).
Foram três peças envolvendo
uso de computador: "Dialogue de
l'Ombre Double" de Boulez
(1925), "NoaNoa" de Kaija Saariaho (52) e "Jupiter" de Philippe
Manoury (52). Cada uma escrita
para um instrumento solista (clarinete ou flauta), com seu som
transformado, antes ou durante a
execução, por meio de softwares
específicos, todos desenvolvidos
no IRCAM, o Instituto de Pesquisa Acústica e Musical, fundado
por Boulez em 1969, referência
mundial na área.
Como explicou o diretor pedagógico Andrew Gerzso, as peças
vão de um extremo a outro das
possibilidades de intervenção digital. No Boulez, o clarinetista
-fantástico clarinetista, Philippe
Berrod- toca com a "sombra",
trechos pré-gravados por ele mesmo, que se alternam com a música executada no palco.
Composto em 1985, o "Diálogo
da Sombra Dupla" inspira-se,
com maior ou menor proximidade, numa peça teatral de Paul
Claudel. O que está em jogo, no
caso, é a espacialização dos sons.
A sombra varre o espaço da platéia, de um lado a outro -sem falar nas profundidades virtuais. O
clarinete "ao vivo" se embrenha
em labirintos delicados, uma renda de arpejos e trilos; depois silencia, na escuta de si mesmo: de si
outro. Carrega seu duplo em sonhos de coincidência.
Como errar é humano, a máquina errou no começo. Deu estática. Em retrospecto, foi um momento simpático neste concerto-aula, que como quase toda aula
passou um pouco do ponto. A
tecnologia precisa ser explicada; a
música pede outro tipo de comentário. Mas era, afinal, o encerramento de uma gloriosa semana
de seminários (idealizados por
Silvio Ferraz, produzidos por Regina Porto), promovidos para
lançar o MusArtS -uma rede
virtual integrando centros paulistas de pesquisa musical-tecnológica, financiada pela Fapesp.
Já em "NoaNoa", de 1992, o
flautista (o virtuose Gilles Burgos)
aciona intermitentemente um pedal, que dispara programas de reprodução e transformação sonora. Junto com Magnus Lindberg e
Esa Pekka-Salonen, entre outros,
Saariaho faz parte de um grupo de
compositores finlandeses que ganhou renome na década de 80. Ela
é a mais sensual das compositoras
que trabalham com "live electronics": sua música põe lentes de
aumento no mundo natural, que
a gente escuta como nunca.
"NoaNoa" alude ao Taiti do impressionista Gauguin. Mas a referência é sugestiva, mais do que
descritiva: o "aroma" do título
torna-se metáfora para tudo o que
é da ordem da sensação. As
"fleurs" que o flautista fica sussurrando no bocal amplificado crescem nessa paisagem de ventos,
uma natureza íntima e misteriosa,
no âmago de circuitos e números.
Linda peça.
Na segunda parte, era a vez de
escutar a histórica "Jupiter" (87),
para flauta e eletrônica, de Manoury. Foi a primeira composição
a empregar o "Score Follower",
programa que compara a interpretação ao vivo com a partitura
gravada na memória do computador, de modo a ativar operações
à medida que a música avança.
Dimensão wagneriana, caráter
ponderoso: pesado, relevante.
Pelo menos um conhecido jovem compositor dormia na platéia. Tinha direito, assim como
tantos outros dormem em Bruckner. Naquele dia, naquela hora,
era sinal de saúde. Tudo somado,
a batalha vai bem, inclusive
-quem diria!- tecnologicamente falando.
Avaliação:
TM+. Onde: teatro Cultura Artística (r.
Nestor Pestana, 196, SP, tel. 0/xx/11/
3258-3344). Quando: de hoje a quarta, às
21h. Quanto: de R$ 50 a R$ 140.
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