São Paulo, sexta-feira, 18 de agosto de 2006

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Cortina de fumaça

Em "Obrigado por Fumar", que estréia hoje, Jason Reitman retrata a manipulação da opinião pública por lobistas, verdadeiros astros da retórica

SÉRGIO DÁVILA
DE WASHINGTON

Nick Naylor (Aaron Eckhart) é um relações públicas mestre na arte do "spinning" -abraçar uma causa polêmica e torná-la palatável à opinião pública, girar ("spin") dados e fatos até que ninguém saiba mais o que é verdade ou não. No seu caso, o lado errado paga um bom salário. É a indústria do tabaco, ainda na fase pré-megaprocessos e limitações de propaganda, quando ainda tinha todo o poder e pouca dor de cabeça. Ele sabe que o que faz é duvidável. Tanto que se encontra para almoçar em Washington (a cidade dos "spinners") com seus equivalentes da indústria do álcool (Maria Bello) e das armas (David Koechner) -juntos, eles se chamam de "M.O.D. Squad", esquadrão cuja sigla é "Merchants of Death" ("mercadores da morte"). Esse é "Obrigado por Fumar". Material polêmico, explosivo, para adultos. Tudo o que Hollywood teme. O roteiro e suas diversas adaptações e tratamentos ficaram rodando os estúdios por mais de uma década. Até que um diretor estreante, Jason Reitman, 29, filho de um nome conhecido no meio, resolveu encarar a briga. Com pouco dinheiro e colaboração de atores da fama de Katie Holmes e do talento de Robert Duvall, colocou o filme em pé. O resultado estréia hoje em São Paulo. A Folha falou com ele:

 

FOLHA - Agora, enquanto falamos, você acha que há muitos Nick Naylors em ação?
JASON REITMAN -
(Risos). Acho que é um pouco diferente, há um pouco mais restrições, mas eles ainda estão tentando virar as coisas para o lado dos interesses deles. Quando você aprova leis antilobby, você só torna os Nick Naylors do mundo mais subversivos e criativos.

FOLHA - Você acha que a arte do "spinning" é por essência norte-americana?
REITMAN -
Não, "spin" no fundo não é nada mais do que a velha manipulação política, e isso está por aí desde sempre.

FOLHA - Seu filme não mostra ninguém fumando. Foi proposital?
REITMAN -
Foi. Não é um filme pró-cigarro, antitabagista, para mim é sobre lobby, responsabilidades políticas e sociais... Pensei que se mostrasse gente fumando as pessoas encarariam como uma campanha.

FOLHA - Você fuma?
REITMAN -
Não.

FOLHA - O papel de Katie Holmes, como uma jornalista que transa com sua fonte para conseguir uma informação exclusiva, não é exatamente um elogio à profissão... Alguma má experiência com a imprensa?
REITMAN -
(Risos) Acho que todos os personagens do filme são desprezíveis, em certo sentido. Eu tentei dar pelo menos uma porrada em cada profissão polêmica. E, para mim, jornalismo está no mesmo ambiente da política e das corporações...

FOLHA - Por falar em Katie, você pode explicar de uma vez por todas se a cena de sexo dela com o personagem de Aaron foi cortada a pedido de Tom Cruise, seu marido?
REITMAN -
Num festival, um projecionista achou que um dos rolos já tinha acabado e o trocou sem mostrar a cena. Dias depois, o jornal "Los Angeles Times" criou, de brincadeira, uma teoria da conspiração sobre o sumiço... Por mais que eu explique, as pessoas preferem acreditar na teoria... Ah, sim: A cena está de volta.

FOLHA - Um dos subplots mais interessantes do filme é a relação entre Nick e o filho. Seu pai é o diretor Ivan Reitman ("Ghostbusters"). Você se mirou em sua própria relação? REITMAN - Sim, no sentido de que Nick tenta fazer com que seu filho seja um pensador independente, não importa sua profissão, e meu pai fez o mesmo comigo.

FOLHA - Do jeito que as coisas andam estão, você não vê a indústria do petróleo se juntando ao "M.O.B. Squad"?
REITMAN -
Não vamos contar o filme, mas digamos que para mim o novo "esquadrão dos mercadores da morte" é formado pelas indústrias nuclear, do fast-food e do petróleo.


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