São Paulo, segunda-feira, 18 de agosto de 2008

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WIM WENDERS

Autor de clássicos do cinema como "Asas do Desejo" e "Paris, Texas", diretor alemão está no Brasil para palestras e participa de Sabatina Folha na próxima sexta em SP; em entrevista exclusiva, analisa o presente e o futuro dos filmes

Rafael Hupset/Folha Imagem
O diretor alemão, em SP; seu novo longa, 'Palermo Shooting' (filmagem em Palermo), ainda não tem data de estréia no país

MARCOS STRECKER
DA REPORTAGEM LOCAL

Nome cult do circuito cinematográfico, Wim Wenders diz que a era digital está deixando o cineasta e o fotógrafo numa situação delicada. O que difere o real do manipulado no mundo das imagens atualmente? Aos 63 anos, este americanófilo obcecado pelas novas tecnologias foi um dos últimos rebentos dos novos cinemas que explodiram nos anos 60 (nouvelle vague à frente, cinema novo na periferia). Renovou a linguagem cinematográfica, fazendo uma releitura dos clássicos americanos. Hoje, depois de uma relação malsucedida com Hollywood, reconhece que seu sonho americano acabou e se diz um "alemão romântico". Precursor do cinema independente americano (com o qual tem uma relação tensa), um símbolo para os modernos desde os 80, passou recentemente por uma recepção fria no Festival de Cannes (com "Palermo Shooting") e se prepara para testar o cinema de terror no Japão, onde filmará em breve uma adaptação de "Miso Soup" (Cia. das Letras), de Ryu Murakami, escritor e cineasta japonês. Wenders, que presidirá o júri do próximo Festival de Veneza, está no Brasil para participar do seminário Fronteiras Braskem do Pensamento, com conferências hoje, em Porto Alegre, e quarta, em Salvador. Na próxima sexta, às 16h, a Folha promove uma sabatina com o cineasta, com participação de Walter Salles. A seguir, os principais trechos da entrevista exclusiva concedida pelo diretor.

 

IMAGENS, FOTOGRAFIA E VERDADE
O cinema ainda é capaz de nos mostrar a verdade (eu me sinto mais confortável dizendo "uma" verdade). Por isso o cinema é tão urgente hoje, e é por isso que cineastas têm uma responsabilidade inteiramente nova. É como se todas as outras mídias, especialmente a TV, tivessem desistido de mostrar o mundo sem preconceitos. Filmes podem transportar melhor as pessoas para outros lugares. Podem nos fazer mergulhar em outros países, em outras culturas, em diferentes linguagens. Mais do que nunca, na era global, filmes podem nos ajudar a descobrir locais e culturas específicas, não só "generalizações". O fotógrafo hoje está mais acostumado do que qualquer outro com a manipulação e a mentira. Às vezes acho que não existem mais imagens que não tenham sido alteradas digitalmente. Os fotógrafos vivem na linha de frente da era digital. São mais expostos a essas infinitas tentações do que qualquer outro.

PIRATARIA E O DESTINO DO CINEMA
Toda a tecnologia que os jovens têm à sua disposição está mudando a forma como enxergam o mundo audiovisual e o processo de filmar. O YouTube tem um impacto gigantesco. Estou dando aula de cinema digital na Escola de Artes de Hamburgo (Alemanha) e meus alunos fazem filmes com pequenas câmeras e celulares. Também atuei muito no projeto filmaka.com, espécie de academia de cinema baseada na internet. Todo o conteúdo foi criado digitalmente.

FIM DO "SONHO AMERICANO"
Ainda pretendo filmar nos EUA. Tenho afinidade muito grande com atores americanos, com a paisagem americana, com romances do país. Mas meu "sonho americano" pessoal acabou há muito tempo. Foi quando percebi que nunca me tornaria um "cineasta americano". E que, no meu coração, era um alemão romântico e que minha profissão sempre seria a de um "cineasta europeu".

"PALERMO SHOOTING"
Mesmo que tenha trabalhado com prazer nos EUA, onde fiz meus últimos seis filmes, me senti isolado, achei que estava enxergando o mundo a partir da periferia. Hollywood acha que é o centro do mundo. Pode ser verdade para alguns, mas não para um viajante como eu. Sinto, cada vez mais, a necessidade de me reconectar ao resto do mundo. Filmei "Palermo Shooting" em minha cidade natal (Düsseldorf, Alemanha) e na Sicília. Estou ansioso com o meu próximo filme, que será rodado em Tóquio. "Palermo" pode ter a forma de um thriller romântico, mas na sua essência é um filme sem modelo. Tanto quanto adoro filmes de "gênero", acho difícil obedecer às regras deles. Na verdade, provavelmente gosto de filmes de gênero porque ele tem fronteiras que podem ser cruzadas.

ESTÉTICA DA VIOLÊNCIA EM FILMES
Violência nos filmes não é só uma tendência, mas um ingrediente importante do cinema contemporâneo. Infelizmente, diversos filmes são feitos apenas porque têm elementos de violência. E, mais triste ainda, vários deixam de ser produzidos porque se recusam a entrar nesse território. Mas não me oponho ao uso da violência de uma forma geral. Sempre há filmes em que a violência é um elemento importante e necessário. Afinal, existe a violência no mundo. Apenas odeio quando vejo um filme e me dou conta que ela está lá de forma aleatória, sem me fazer entender suas origens, suas raízes.

BARACK OBAMA E OS EUA
Os EUA podem voltar a ser um país de esperança. Deveriam. Espero que consigam. Mas Obama terá de consertar um estrago terrível provocado por oito anos tristes, perdidos.

A AMIZADE COM WALTER SALLES
Walter e eu nos encontramos em diversas ocasiões nos últimos anos. Gostaria de vê-lo mais. Há poucas pessoas de quem sempre sinto falta, e Walter é uma delas.

A RELAÇÃO COM O BRASIL
Adoro o Brasil, desde que pude vislumbrar pela primeira vez o país, o que aconteceu com "Terra em Transe" (de Glauber Rocha). Gostaria de vir mais. Estava planejando viajar um pouco por aqui, após as palestras. Mas fui convidado para presidir o júri do Festival de Veneza. E é difícil dizer não a um convite desse... Eu voltarei!

PRÓXIMO FILME, O TERROR
O que me atrai mais do que qualquer coisa é: o que ainda não sei? E me parece que o filme de terror, ou aquele tipo de thriller com elementos de medo, não tem sido usado para incorporar outros temas. Acho isso extremamente interessante.


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