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Bienal no PR atesta ascensão do Sul
Mostra em Curitiba reúne grandes nomes da arte contemporânea, como Bruce Nauman, Kcho e Marina Abramovic
Dois meses antes da Bienal do Mercosul, em Porto Alegre, Bienal VentoSul inaugura temporada de grandes mostras na região
SILAS MARTÍ
ENVIADO ESPECIAL A CURITIBA
Do outro lado da grade que
montou em frente ao Passeio
Público, um artista do coletivo
Interluxartelivre fala de como
sua obra pensa as coerções do
espaço urbano. É uma estrutura metálica com arame farpado,
réplica agressiva das cercas do
parque no centro de Curitiba.
Falar de dentro de sua armadilha enfatiza a posição de uma
obra de arte na cidade e, por extensão, o lugar das exposições.
"Trabalho o território, o espaço que conduz a uma questão
política", diz Ticio Escobar, curador da Bienal VentoSul, em
cartaz na capital paranaense.
"São lugares com intensidade
muito forte, mas excluídos."
Dois meses antes da Bienal
do Mercosul, em Porto Alegre,
a mostra curitibana tenta rever
essa exclusão e atesta a ascensão do circuito de arte no Sul do
país. Tanto a mostra paranaense, agora em sua quinta edição,
quanto a gaúcha bateram a
marca dos 500 mil visitantes na
última edição, número expressivo para cidades fora do eixo.
Também há mais dinheiro.
Se a Bienal do Mercosul trabalha com R$ 7,5 milhões para
abrir em outubro -e já chegou
a custar quase R$ 12 milhões
antes da crise econômica-, Curitiba conseguiu R$ 2 milhões
para a Bienal VentoSul, o dobro
de sua edição anterior.
"Essas bienais estão se firmando na América Latina", diz
Escobar, curador paraguaio
que também já esteve à frente
da Bienal do Mercosul. "Estão
se tornando um lugar de debate, não só de espetáculo."
No lugar do espetáculo, Curitiba monta uma Bienal especular, com obras espalhadas pela
cidade, das grades no Passeio
Público a uma estrutura no
parque Barigui. É uma sofisticação curatorial que às vezes
esbarra na fraqueza das obras,
mas que produz um efeito.
Seria uma "nova regionalização", nas palavras de Ivo Mesquita, curador da última Bienal
de São Paulo. "Depois que globalizou tudo, vem uma tendência de bienais menores", diz.
"São pequenas mostras que
trabalham regiões específicas."
"As pessoas participam dessa
irrupção nas cidades", diz Escobar. "Muitos pensam que
uma bienal deve mostrar as últimas novidades, mas deve, na
verdade, envolver as cidades."
Transparência
No caso de Curitiba, cidade
de lagos e capital brasileira
mais próxima de Itaipu, a água
virou o fio condutor da mostra.
Quando visto de forma literal, esse tema dá vazão às piores
obras na exposição: fotos das
cataratas do Iguaçu, animações
de chuva, até uma releitura da
cena do banho de Janet Leigh
em "Psicose", de Hitchcock.
Mas vista como metáfora para circulação, coerção, movimento, transparência e reflexo,
a ideia da água articula obras
mais potentes, começando pelas grades do Interluxartelivre.
No Solar do Barão, casarão
do século 19, o cubano Kcho
constrói uma sala de aula suspensa, sustentada por remos. É
uma arquitetura visual que toma partido direto do movimento aquático ou da falta dele.
Nessa vertente arquitetônica, o japonês Yukihiro Taguchi
desmonta uma casa destinada à
demolição e reorganiza piso e
paredes em pleno pátio do Solar. Um vídeo em "stop motion", que mostra a destruição e
reconstrução da casa, vira uma
análise intimista do ritmo da
cidade e seus espaços.
A arquitetura vulgar das favelas é revista em obra do maltês Norbert Attard, que recria
em Curitiba uma versão das cabanas de caçadores de sua ilha.
Sem água, essas, que são as
obras mais expressivas da mostra, fazem papel de lago e espelham a circulação atravancada
das grandes cidades -um desejo de transparência latente e
ainda muito distante.
O jornalista SILAS MARTÍ viajou a convite da
Bienal VentoSul.
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