São Paulo, terça-feira, 18 de agosto de 2009

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Bienal no PR atesta ascensão do Sul

Mostra em Curitiba reúne grandes nomes da arte contemporânea, como Bruce Nauman, Kcho e Marina Abramovic

Dois meses antes da Bienal do Mercosul, em Porto Alegre, Bienal VentoSul inaugura temporada de grandes mostras na região


SILAS MARTÍ
ENVIADO ESPECIAL A CURITIBA

Do outro lado da grade que montou em frente ao Passeio Público, um artista do coletivo Interluxartelivre fala de como sua obra pensa as coerções do espaço urbano. É uma estrutura metálica com arame farpado, réplica agressiva das cercas do parque no centro de Curitiba.
Falar de dentro de sua armadilha enfatiza a posição de uma obra de arte na cidade e, por extensão, o lugar das exposições. "Trabalho o território, o espaço que conduz a uma questão política", diz Ticio Escobar, curador da Bienal VentoSul, em cartaz na capital paranaense. "São lugares com intensidade muito forte, mas excluídos."
Dois meses antes da Bienal do Mercosul, em Porto Alegre, a mostra curitibana tenta rever essa exclusão e atesta a ascensão do circuito de arte no Sul do país. Tanto a mostra paranaense, agora em sua quinta edição, quanto a gaúcha bateram a marca dos 500 mil visitantes na última edição, número expressivo para cidades fora do eixo. Também há mais dinheiro.
Se a Bienal do Mercosul trabalha com R$ 7,5 milhões para abrir em outubro -e já chegou a custar quase R$ 12 milhões antes da crise econômica-, Curitiba conseguiu R$ 2 milhões para a Bienal VentoSul, o dobro de sua edição anterior.
"Essas bienais estão se firmando na América Latina", diz Escobar, curador paraguaio que também já esteve à frente da Bienal do Mercosul. "Estão se tornando um lugar de debate, não só de espetáculo." No lugar do espetáculo, Curitiba monta uma Bienal especular, com obras espalhadas pela cidade, das grades no Passeio Público a uma estrutura no parque Barigui. É uma sofisticação curatorial que às vezes esbarra na fraqueza das obras, mas que produz um efeito.
Seria uma "nova regionalização", nas palavras de Ivo Mesquita, curador da última Bienal de São Paulo. "Depois que globalizou tudo, vem uma tendência de bienais menores", diz. "São pequenas mostras que trabalham regiões específicas." "As pessoas participam dessa irrupção nas cidades", diz Escobar. "Muitos pensam que uma bienal deve mostrar as últimas novidades, mas deve, na verdade, envolver as cidades."

Transparência
No caso de Curitiba, cidade de lagos e capital brasileira mais próxima de Itaipu, a água virou o fio condutor da mostra. Quando visto de forma literal, esse tema dá vazão às piores obras na exposição: fotos das cataratas do Iguaçu, animações de chuva, até uma releitura da cena do banho de Janet Leigh em "Psicose", de Hitchcock.
Mas vista como metáfora para circulação, coerção, movimento, transparência e reflexo, a ideia da água articula obras mais potentes, começando pelas grades do Interluxartelivre. No Solar do Barão, casarão do século 19, o cubano Kcho constrói uma sala de aula suspensa, sustentada por remos. É uma arquitetura visual que toma partido direto do movimento aquático ou da falta dele. Nessa vertente arquitetônica, o japonês Yukihiro Taguchi desmonta uma casa destinada à demolição e reorganiza piso e paredes em pleno pátio do Solar. Um vídeo em "stop motion", que mostra a destruição e reconstrução da casa, vira uma análise intimista do ritmo da cidade e seus espaços.
A arquitetura vulgar das favelas é revista em obra do maltês Norbert Attard, que recria em Curitiba uma versão das cabanas de caçadores de sua ilha. Sem água, essas, que são as obras mais expressivas da mostra, fazem papel de lago e espelham a circulação atravancada das grandes cidades -um desejo de transparência latente e ainda muito distante.

O jornalista SILAS MARTÍ viajou a convite da Bienal VentoSul.



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