São Paulo, quarta-feira, 18 de agosto de 2010

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Ancine soube de séries vendidas por R$ 1

Agência diz que produtoras eram reféns do poder de canais estrangeiros; limite ao uso da verba pública divide setor

Para Andrea Ribeiro, da O2, regra prejudica acordos; já Ricardo Rozzino, da Pinguim, diz ser "superpositiva"


DE SÃO PAULO

Não se pode contar qual é o canal estrangeiro nem o nome da série brasileira, mas a história é reveladora.
Diante do sucesso, um representante do canal ligou para a produtora no Brasil: "Gostamos do programa que fizeram e queremos comprar os direitos para produzi-lo em outros países".
Após reunião com seus sócios, o produtor ligou para dar a resposta: "Vocês já são donos dos direitos do programa". E veio a resposta do estrangeiro, que encerrou a ligação. "Sério? Que bom!"
Presidente da Ancine (Agência Nacional do Cinema), Manoel Rangel afirma que a agência observou "ao longo dos últimos sete anos que o uso do incentivo fiscal para produções nacionais estava sendo desvirtuado".
Ele afirma ter visto contratos que cediam a canais estrangeiros, "por valores simbólicos", obras brasileiras produzidas com verba pública. "Cheguei a ler contratos de séries que custaram R$ 5 milhões serem vendidas por R$ 100 mil. Também soube de casos de contratos que vendiam séries por R$ 1."
Segundo ele, muitas vezes o contrato de produção e o de venda dos direitos da obra eram assinados no mesmo dia, antes mesmo de a série começar a ser feita.
"Isso ganhava aparência legal, mas na verdade era uma prática que fazia com que a obra não fosse mais uma produção independente brasileira. Séries patrocinadas por leis de incentivo eram exibidas uma, duas vezes no país e desapareciam."
Agora obrigados a serem sócios minoritários das obras, os canais estrangeiros dizem que a regra prejudicará a produção nacional.
"Os canais têm um limitador que diz por quanto tempo podem ter exclusividade nas séries [cinco anos]. Isso pode reduzir a produção. O mercado tem condição de se regular sozinho", afirma Carlos Alkimim, diretor-executivo da ABPTA (Associação Brasileira de Programadores de TV por Assinatura), que representa 50 canais pagos.
Produtores nacionais se dividem. "Protecionismo demais vira paternalismo e prejudica o curso das negociações e a própria regulamentação do mercado", diz Andrea Barata Ribeiro, da O2. A produtora fez séries para a HBO, cuja marca é o conteúdo exclusivo.
Já Adriano Civita, da Prodigo, que teve de adequar à nova regra um contrato com a HBO, pensa diferente.
"Falamos de verba pública para estimular a indústria nacional. Estrangeiro que quiser ser dono de série deve fazê-la com o próprio dinheiro", diz ele, conselheiro da Associação Brasileira dos Produtores Independentes.
"A regra é superpositiva. Fizemos questão de ser donos do "Peixonauta" e não tivemos problemas", diz Ricardo Rozzino, da TV Pinguim.
(LAURA MATTOS)


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