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MÚSICA
Sambista lança CD gravado ao vivo com repertório dos 60, quando dividia palco e LPs com Elis Regina
Jair reedita, sozinho, "Dois na Bossa"
PEDRO ALEXANDRE SANCHES
da Reportagem Local
Lançado ao segundo plano desde o tropicalismo, o sambista
paulista Jair Rodrigues, 60, entrega-se, 35 anos depois do advento
de seu maior sucesso, "Deixa Isso
pra Lá", à revisão histórica dos
anos pré-tropicalistas.
Seu novo álbum, "500 Anos de
Folia" -base para os shows que
ele faz hoje e amanhã, em São
Paulo-, evoca os três discos ao
vivo "Dois na Bossa", que ele gravou entre 1965 e 1967.
Se lá dividia o estrelato com Elis
Regina (1945-82) -mãe de João
Marcello Bôscoli, hoje diretor da
Trama, nova gravadora de Jair-,
agora enfrenta a função sozinho,
afora orquestra e participações
como as da bateria da Vai-Vai, do
Duofel e de jovens rappers.
Além de repertório e reminiscências, "500 Anos de Folia" tem
em comum com "Dois na Bossa"
o fato de ser gravado ao vivo
-"100% ao Vivo", como diz o
subtítulo, em ironia à profusão de
discos ao vivo de araque no mercado. Em entrevista à Folha, Jair
mergulhou de novo no passado;
leia trechos a seguir.
Folha - Como um sambista foi
nascer na fronteira de São Paulo
com Minas Gerais?
Jair Rodrigues - Não sei. Era
menino, em Igarapava, e, ao mesmo tempo em que se tocavam
Francisco Alves, Orlando Silva, se
tocavam, da parte do samba, Cyro
Monteiro, Ataulfo Alves, Roberto
Silva, e, do lado sertanejo, Tonico
e Tinoco, Cascatinha e Inhana.
Garoto, eu vazava de casa na sexta
e ia assistir aos seresteiros. Fui me
entrosando. O artista tem que ser
eclético. Com sete anos fui parar
em Nova Europa, meus pais foram trabalhar na fazenda Itaquerê. Minha mãe dizia que não íamos trabalhar sempre na roça,
que era melhor que aprendêssemos uma profissão. Então fui
aprender a profissão de alfaiate,
com 8 anos. Conheci rapazes que
gostavam muito de cantar, e me
juntei a eles. Fui fazer parte de um
coral de igreja, em Nova Europa.
Fui morar em São Paulo em 59,
e comecei a cantar na noite. Cantava Maysa, Agostinho dos Santos, que é meu ídolo eterno, Jamelão, Almir Ribeiro, Johnny Alf.
Virei crooner do quarteto de
Hermeto Paschoal. Um dia levei
para ele "Deixa Isso pra Lá". Comecei: "Deixa que digam, que
pensem, que falem/ deixa isso pra
lá, vem pra cá...". Hermeto disse:
"Que negócio é esse? Eu nunca
acompanhei conversa". O gesto
que faço com a mão nasceu naquela noite. Comecei a fazer o
gesto, o Hermeto também fez, e o
pessoal que estava na pista dançando também começou.
Depois veio a contratação pela
TV Record, para apresentar junto
com Elis Regina, já em 65, o programa "O Fino da Bossa". Apesar
do nome, era um programa de
MPB, para mostrar todas as raízes
musicais. Ao mesmo tempo que
vinha Johnny Alf, vinham Luiz
Gonzaga, Angela Maria. Lançamos Gilberto Gil, até o pessoal da
jovem guarda ia.
Folha - Mas não houve uma cisão entre os programas "O Fino
da Bossa" e "Jovem Guarda"?
Jair - Sim. Alguém quis fazer
polêmica, senão ia ficar na mesmice. Criou-se um tumulto, inventaram briguinhas, para que o
programa continuasse um sucesso.
Folha - Você participou da
passeata contra as guitarras?
Jair - Se eu participei? Deixa me
lembrar (longo silêncio). Com
certeza não participei, até porque
sempre gravei com guitarra. Como posso lutar contra uma coisa
que estou fazendo? Eu dava um
jeito, caía fora e ninguém notava.
Folha - Era natural a formação
de uma dupla com Elis?
Jair - Quem nos descobriu foram Airton e Lolita Rodrigues, no
programa "Almoço com as Estrelas". Um dia ele disse que ia aproveitar a presença de dois artistas
extrovertidos, brincalhões, a "Pimentinha" e o "Cachorrão". Propôs no ar que a gente se juntasse e
cantasse em dupla. Tivemos que
inventar na hora. Ela começou a
cantar "Deixa Isso pra Lá", eu
emendei com "Upa, Neguinho",
um cantou música do outro.
Folha - É verdade que foi cogitado que a dupla fosse entre Elis
e Simonal, e não você?
Jair - Não sei disso. Simonal
apresentava o programa "Spotlight", na TV Tupi, e acho que o
contrato dele ainda estava em vigência.
Folha - Você e Elis brigavam?
Jair - Jamais. Não, perdão, uma
vez, no ensaio, aconteceu. Ela estava ensaiando, já com público, e
eu entrei pela porta da frente do
teatro. Os caras me viram e começaram: "Ô, Cachorrão!". Ela parou o ensaio e disse: "Você não está vendo que estou ensaiando?
Que falta de educação!". Cheguei
bem perto dela e disse: "Não fala
comigo dessa forma, que eu te
meto a mão no pé da orelha". Ela
levou aquele susto. Dois segundos
depois, nos abraçamos, pedimos
desculpas. Foi nossa única rusga.
Folha - Não era de esperar que
você cantasse uma música do
Geraldo Vandré, e aí houve "Disparada", em 1966.
Jair - Sinceramente, não era de
esperar, não. Eu já havia cantado
músicas dele, mas não era muito
ligado nesse tipo de música. Na
noite não se pedia. Quando ouvi
"Disparada", a vi como uma música nordestina, sertaneja. Adorei.
Só me dei conta que era de protesto quando Vandré pediu: "Não
brinque com a minha música que
ela é séria". Tive vontade de meter
a mão na orelha dele também, é
claro que eu ia levar a sério.
Folha - Um de cada lado, Vandré e Simonal se tornaram
"mártires" desse período, desapareceram musicalmente. Qual
é sua análise sobre isso?
Jair - Olha, é público e notório
que Vandré ia na frente das massas nas passeatas. Mas não entendi até hoje o que aconteceu com
esse menino Simonal. De repente
destruíram a carreira de um artista que era sem sombra dúvida o
maior showman do Brasil.
Folha - A do Vandré também
foi destruída. Você acha que ele
estava errado? Simonal também
se envolveu em confusões, esteve nas páginas policiais.
Jair - Cada um tem sua forma de
ver as coisas, não posso dizer se
ele estava errado ou certo. Sobre
Simonal, não sei informar. Todos
estivemos unidos até o começo de
67, aí cada um foi para um lado.
Folha - Foi nessa hora que os
tropicalistas, que divergiam da
música que vocês faziam, tomaram a cena, propondo um outro
modelo. Isso enfraqueceu você,
Elis, Simonal?
Jair - Quando vieram propor
outro modelo, claro, não entramos naquele lance de tropicalismo. Eu não tinha nada a ver com
aquilo. Continuei cantando meus
sambas, minhas serestas, meus
baiões. Acho que o samba perdeu.
Às vezes culpo alguns colegas,
não sei se não quiseram lutar. Ficaram esperando, muitos pararam. As melhores músicas de Jair
Rodrigues aconteceram nos 60 e
70, quando estava todo mundo
fértil, compondo. Chegava ao
Chico, dizia: "Meu irmão, preciso
de um samba". Ele já tinha dentro
da cabeça. Hoje não é mais assim.
Minha primeira idéia agora foi
fazer um disco de músicas inéditas. Fui ao Martinho da Vila, ele
me mandou uma. Fui ao Paulo
César Pinheiro, me mandou música para um disco inteiro. Quando pedi para Caetano, Gilberto,
Djavan, Peninha, Chico, Paulinho
da Viola, não veio nada. Djavan
disse que não tinha idéia no momento, mandou que eu olhasse
num disco antigo dele.
Folha - Nos 60, eram todos artistas em busca de fama. Você
cogita que hoje eles não queiram ter músicas suas gravadas
por você?
Jair - Não. Nunca, porque, poxa,
gravei o primeiro samba de Gil,
"Serenata em Teleco-Teco". Gravei uma das primeiras músicas de
Chico, "Até Segunda-Feira".
Folha - Por que você saiu da
Philips -que abrigou a maioria
dos artistas brasileiros dos anos
60 e 70- em 85?
Jair - Quando eu soube que Elis
estava saindo da Philips (em 79),
perguntei a ela por quê. Ela disse:
"Olha, crioulo, é melhor você sair
também porque ali não tem mais
lugar para quem canta". Tanto é
que saiu todo mundo.
Folha - Só ficou Caetano.
Jair - André Midani, que era
presidente da Philips, disse um
dia que eu não estava mais gravando como antigamente, que
dava impressão que eu estava gravando música de amigos, propôs
uma reciclagem. Eu concordei,
plenamente, mas ao mesmo tempo ficava chateado, porque tantas
e tantas músicas que foram sucesso com outros artistas foram desviadas de mim. "Sufoco", por
exemplo, foi para a Alcione, que
eu apresentei a eles. O produtor
Roberto Santana, da Bahia, era
quem escolhia as músicas para os
artistas. Os caras desviavam, não
sobrava nada para mim.
Folha - A entrada na Trama,
agora, é um renascimento?
Jair - Não sei se chega a ser. Pensam que estou fora de mídia, mas
estou sempre viajando para fora.
A Trama me deu a oportunidade
de fazer uma gravação ao vivo
com boas condições técnicas, que
eu queria havia muito tempo.
Folha - Qual é sua avaliação
sobre o samba atual?
Jair - Do pagode moderno, adoro o ritmo. A única coisa que não
gosto são as letras. Também está
faltando a rapaziada colocar mais
cuíca, apito, reco-reco, tamborim.
Colocam um pandeiro, um tantã
e muito sintetizador, não gosto
dessa sintetização. A melodia até
que é boa, as letras é que são terríveis. Tem também o problema da
produção. Para mim, o produtor
deve ser músico. O cantor no estúdio corre o risco de desafinar, o
produtor não pode deixar passar.
Show: Jair Rodrigues
Onde: Crowne Plaza (r. Frei Caneca,
1.360, tel 0/xx/11/289-0985)
Quando: hoje e amanhã, às 21h
Quanto: R$ 15
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